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Notas do Autor - A Gym Leader's Life 3


Vocês não têm ideia do sofrimento que foi pra trazer esse especial pronto! kkkkkkkkkkkkkkkk

Fala aí, pessoal! Tudo certo? Cá estamos na nossa quarta semana seguida de postagem, e dessa vez com mais um capítulo da série A Gym Leader's Life. Dessa vez trazendo um pouco do Wattson, o que já os faz perceber que o próximo capítulo vai ser trocação franca de porrada no ginásio de Mauville, né? Acho que a essa altura do campeonato vocês já sabem como é o esquema aqui em AEH.

Este era talvez o especial que mais me preocupava, pelo simples fato de que eu tinha certeza de que não saberia como lidar com o Wattson. A personalidade dele não era algo que eu via encaixar no cargo de líder de ginásio, e eu não sabia como trabalhar um especial legal com esse jeito tiozão dele. Até que o Canas e o Dento me deram a ideia de usar esse jeitão todo palhaço (nesse caso literalmente) para poder quebrar o clima pesado do capítulo e virar o jogo. E como deu certo! Eu curti bastante o resultado final.

Bem, este foi o último especial da Omega Saga. Agora vamos em direção ao encerramento da temporada! Que venha a batalha de ginásio e o final do arco de Mauville!

Até a próxima! õ/


A Gym Leader's Life - Capítulo 3

Wattson


Mauville era envolta por um incomum clima chuvoso naquela tarde. Wattson caminhava pela rua principal com um guarda-chuva aberto, com passos apressados. Nas costas, levava uma grande bolsa que parecia lotada. A expressão no rosto do velho homem era de desconforto devido ao peso que carregava, mas era o que tinha que fazer naquela hora.

O líder de ginásio era uma pessoa respeitada na cidade inteira. E ele se sentia responsável por fazer tudo por lá funcionar da forma correta. Wattson foi um dos engenheiros que idealizaram o projeto da Usina de Nova Mauville, que gerava eletricidade para toda a região de Hoenn. No entanto, não só à usina e ao ginásio se restringiam as atividades dele.

Dobrando algumas esquinas para as ruas mais afastadas do centro da cidade, o homem chegou a um casarão de arquitetura bem antiga. O aspecto melancólico do lugar o freou por um momento, mas ele respirou fundo e passou pelo portão da frente em direção à recepção.

A sala da entrada do casarão era muito bela, de aspecto muito antigo, mas bem conservado. A iluminação que vinha de fora era pouca, dando à sala um tom amarelado que realçava o papel de parede e o carpete. Atrás do balcão, uma senhora que trabalhava como recepcionista o recebeu.

— Sr. Wattson, que prazer vê-lo novamente! — a senhorinha sorria de orelha a orelha. — Já estávamos sentindo a sua falta.

— Boa tarde, Sra. Brunswick. Faz mesmo um bom tempo que não venho aqui. Andei ocupado agora que o ginásio reabriu por causa da nova temporada da Liga. Tive mais desafiantes essa semana do que no início das temporadas passadas.

— Então quer dizer que a Liga desse ano vai ser bem movimentada.

— Nem me diga! Mas tomara que esse movimento caia logo ou eu vou acabar ficando doido. Mas então, cadê elas?

— Já vou te levar lá, só um segundo.

A recepcionista fez algumas anotações rápidas em um caderno e seguiu para a porta que dava para a parte de dentro da casa, com Wattson a seguindo de perto. O interior do local era bem diferente do belo exterior e a recepção bem decorada. As paredes dos corredores eram bem antigas, com a tinta de tom frio de azul descascando em várias partes. As partes que ainda tinham a tinta intacta ou apresentavam o aspecto encardido de bolor, ou já tinham marcas de infiltração. Uma única lâmpada incandescente velha iluminava o local de forma precária.

O estômago do velho começou a revirar só de imaginar o que viria em seguida. E ele sabia. Ao terminar de atravessar aquele corredor, que sempre parecia bem mais longo do que realmente era, os dois chegaram a um refeitório onde quatro mesas longas comportavam inúmeras crianças, todas elas magras e pálidas. Wattson não sabia se havia perdido a capacidade de distinguir as cores, ou se aquele cinza mórbido que dominava o local era de verdade.

— Crianças, adivinhem quem está aqui hoje — a Sra. Brunswick anunciou a chegada da visita, atraindo os olhares daquele salão para ela e Wattson.

Ao perceberem a presença do líder de ginásio, todos correram até o homem, que por pouco não se desequilibrou com tantas crianças o cercando. Elas já começavam a demonstrar animação por causa da enorme sacola que ele carregava.

Era sempre daquele jeito. Transtornado com o abandono daquelas crianças, Wattson pensava em compensar a situação trazendo alguns brinquedos de tempos em tempos, mesmo que isso significasse tão pouco perto do que aqueles órfãos não tinham.

O velho, porém, não reagia muito bem àquela cena. Anos se passaram sem que ele se acostumasse com aquilo. Toda vez que via aquelas crianças sorrindo em meio àquela escuridão sua vontade era de ir embora o quanto antes. Mas tinha que ficar. Era o que precisava fazer.

Após distribuir os brinquedos e dar uma grande palestra para as crianças sobre nunca desistir dos seus sonhos e como elas poderiam algum dia se tornarem treinadores de grande sucesso, Wattson finalmente concluiu o seu trabalho lá. Não gostava de ir até o orfanato não por desgosto daquelas crianças, mas porque não sabia lidar com a tristeza e o desamparo daqueles que sabia que nunca haviam feito nada de errado para merecerem aquilo. Estavam jogadas às obras do acaso, e o líder era uma das poucas figuras de onde conseguiam tirar um mínimo de esperança.

Mas antes de passar pela porta que o levaria de volta à recepção ele foi interrompido por Brunswick, que lhe pedia mais uma vez para resolver um velho problema.

— Ele mais uma vez não saiu do quarto. Não come há dois dias e não se relaciona com as outras crianças. Está magérrimo, qualquer hora vai acabar adoecendo.

— Ok, me leva até ele.

Wattson foi levado por uma escadaria velha para o andar superior. A cada degrau pisado, as tábuas rangiam como se fossem ceder a qualquer momento, causando desconforto para ele. Alcançaram um corredor, este um pouco melhor em questão de aparência, que dava acesso aos quartos.

Uma das portas foi aberta por Brunswick, que se virou para o velho com um olhar de preocupação.

— Por favor, veja o que o senhor pode fazer para ajudar. Nós não sabemos mais o que fazer com esse garoto.

O líder entrou no quarto. Sentado na cama estava um garoto ruivo. Ele olhava fixo pela janela, quieto e solitário, sem sequer fazer um movimento mínimo ao notar a entrada de Wattson. O líder de ginásio logo estranhou as feições do garoto. Era um olhar vago, mas que escondia raiva e ressentimento. Lembrava muito o mesmo quando criança, sempre culpando o mundo e as outras pessoas pelas coisas ruins que havia passado. Mas o que mais o surpreendeu foi o porte físico do garoto. Estava muito magro, mais até do que as demais crianças do orfanato.

Wattson deu um leve pigarro, o que parece ter despertado o menino do transe. O ruivo fixou seus olhos cinzas no homem, que por pouco não se arrependeu de ter lhe chamado a atenção. Era como se aquela criança fizesse uma avaliação de cima a baixo do velho naquele momento.

— O que você quer? Eles acharam que iam me deixar feliz ou impressionado trazendo um líder de ginásio pra vir falar comigo? Desde quando vocês se importam? Estão preocupados porque se eu morrer de fome eles é que vão ter que se explicar.

A fala e as atitudes do garoto eram agressivas. Wattson se sentia quase intimidado, pois aquela recepção hostil era bastante difícil de lidar. Ele não sabia como deveria tentar se aproximar do menino, pois era ele quem havia assumido o controle da situação.

— Olá, rapazinho! — o líder então resolveu iniciar a conversa da forma mais próxima do natural que podia. — Como se chama?

— Não é da sua conta! Por que não volta lá embaixo pra ser bajulado pelas outras crianças? Aposto que faria muito bem pro seu ego!

Wattson se esforçava para não recuar. Não queria dar àquele garoto a certeza de que estava no comando da conversa. Ele conhecia aquele tipo de comportamento. Já viu vários casos assim. Ele mesmo já foi um caso assim. Resolveu ignorar a resposta atravessada e tentou ver até onde conseguia levar aquele diálogo.

— Eu já estive com elas, mas soube que você tem andado muito isolado nas últimas semanas e não tem se alimentado direito. Estou aqui pra conversar com você, caso queria me dizer o que está acontecendo.

Wattson caminhou até a cama e se sentou ao lado do garoto, apoiando uma mão no ombro dele.

— Você... — o homem tentava encontrar a melhor maneira de fazer aquela pergunta sem criar uma situação desagradável. — Chegou aqui recentemente?

O garoto encarou Wattson por um momento, notando a expressão de pesar do homem. O menino, porém, tinha uma expressão impaciente, se sentindo constrangido pela ação do homem.

— Sim, estou aqui há um tempo — disse estapeando a mão do velho para que não o tocasse. — Mas não é como se eu estivesse precisando de ajuda. E se eu precisasse eu jamais pediria a um treinador.

— Algum treinador já te causou algum mal?

— Não te interessa!

Wattson não sabia ao certo o que acontecia na mente daquela criança, mas pela primeira vez em muitas idas àquele orfanato ele se viu intrigado. Se todas as outras pessoas ali lhe traziam uma sensação de tristeza e impotência por não poder ajudar todos da maneira adequada, agora ele via alguém que despertava nele uma curiosidade que nunca havia sentido. Ele sentia que aquele garoto precisava de ajuda mais do que tentava fazer parecer.

— Eu não sou seu inimigo, e as pessoas daqui também não são — disse Wattson. — Por que não deixa a gente te ajudar?

O menino cruzou os braços e virou as costas para o velho, que nada pôde fazer a não ser encerrar aquela discussão por ora.

— Bom, eu não vou te forçar a nada. Mas não pense que vai conseguir ir a algum lugar estando sozinho o tempo todo. Fique bem, garoto.

Na noite daquele mesmo dia Wattson entrava pela porta de seu apartamento, cambaleando de embriaguez e com dificuldade de assimilar o que estava a sua volta. Não sabia nem como havia conseguido chegar a sua própria casa, mas tinha a certeza de que aquele garoto havia mexido com seus nervos.

Caminhou direto para seu quarto após trancar a porta da frente. Olhou para o relógio: duas e quarenta e três da madrugada, foi o horário que identificou com bastante dificuldade devido à sua vista que parecia multiplicar tudo que enxergava. Antes de deitar na cama, abriu seu guarda-roupa e pegou uma sacola do fundo do móvel e a jogou em uma poltrona que havia no canto do quarto.

— Amanhã vou usar isso pra dar uma lição naquele pivete — foi o último resmungo que ele conseguiu dar antes do álcool o fazer desmaiar na cama.

• • •

A noite passou, e na manhã seguinte lá estava o homem em frente ao orfanato de novo. Já entrou de vez na recepção, causando surpresa em Brunswick.

— Sr. Wattson, você de novo? E o que significa isso?

— Depois eu explico, cadê aquele garoto de ontem?

— O Ian? Deve estar no quarto, como tem se mantido há tanto tempo...

Wattson caminhou direto para a parte de trás da recepção, que dava no corredor de acesso aos quartos. Brunswick foi desesperada atrás dele, uma vez que as visitas deviam ser marcadas com antecedência, logo as regras da casa estavam sendo descumpridas.

O líder de ginásio foi subindo as escadas e dobrou o corredor em direção ao quarto do garoto. Parecia ter decorado o caminho no dia anterior. Quando abriu a porta, já estava preparado para lidar com a expressão rancorosa da criança, mas foi surpreendido ao ver o cômodo vazio.

— Ele finalmente saiu do quarto? — perguntou o homem.

— Não que eu saiba — comentou a recepcionista, igualmente surpresa. — As meninas teriam me avisado, estamos observando esse menino desde que ele chegou.

Após um bom tempo procurando quaisquer sinais de Ian, ninguém no orfanato conseguiu encontrá-lo. Os funcionários da instituição já começavam a ficar preocupados. Se algo acontecesse a um dos órfãos eles poderiam ser severamente responsabilizados, mas não tinham nem ideia de onde procurá-lo ou a situação que se encontrava.

— Não tem nenhuma pista que vocês podem me dar sobre o garoto que pode indicar onde ele teria ido?

— Não sabemos nada sobre ele, apenas que perdeu os pais recentemente. Pelo que parece os dois eram pesquisadores do Centro Espacial de Mossdeep, mas tentaram reagir a um roubo.

Wattson se manteve reflexivo. Havia ouvido falar daquele caso. Os pesquisadores trabalhavam para o Centro Espacial, mas moravam em Mauville. Tinham uma condição financeira boa e moravam em um bairro nobre da cidade. A casa tem estado vazia desde então.

— Vou verificar uma coisa, não saiam daqui e me liguem caso ele apareça.

O líder saiu apressado cruzando as ruas de Mauville. Os olhares das pessoas eram de surpresa e alguns até mesmo de estranheza devido a sua aparência naquele momento. Mas o homem ignorava. Não era fácil reconhecê-lo daquela forma, ainda mais com a rapidez com que ele ia correndo até seu destino.

Quando chegou a uma área residencial de alto padrão, o líder caminhou até uma bela casa que estava vazia. Parecia habitada uma vez que os pertences pessoais da família ainda estavam no local, mas não havia ninguém lá.


Wattson circulou em volta da residência, caminhando devagar pelo jardim e observando tudo com atenção, a fim de encontrar algum detalhe que pudesse servir de pista do paradeiro de Ian.

— Droga, nada aqui — o homem se sentou na escada da porta da frente e começou a murmurar suas deduções. — Ele poderia estar vindo para cá. Será que se perdeu no caminho?

O homem então começou a pensar no trajeto entre o orfanato e aquela rua, procurando mentalizar os lugares que separavam os dois pontos. Foi então que ele percebeu que havia uma rua que dava em um local que o colocou em estado de urgência.

— Mas que merda!

E assim ele saiu correndo de volta pelo caminho de onde veio.

• • •

— O que você tem pra nos dar, moleque? — a voz áspera de um homem de pouco menos de trinta anos podia ser ouvida de uma esquina a outra daquela viela suja.

Ian se mantinha quieto, recuando cada vez mais contra os muros daquele quarteirão enquanto o homem e alguns comparsas o cercavam, aparentando estarem sob efeito de drogas.

— Não te conheço, aqui só circula quem é da área. Se não tiver nada pra passar pra gente tá fodido!

O homem arremessou uma garrafa que estourou no muro, logo ao lado da cabeça do menino. Ian não sabia se o homem fez aquilo apenas para intimidá-lo, ou se realmente tentou acertar a sua cabeça e acabou errando o alvo devido ao seu estado entorpecido. Tudo que sabia era que da garrafa quebrada um cheiro forte de álcool exalou por todo o local.

O garoto havia entrado na rua errada enquanto caminhava até sua casa, entrando sem querer na área industrial da cidade que era temida por seu índice de criminalidade.

Os quatro tiraram Mightyenas de suas Pokéballs. Usando Pokémons iguais era possível perceber que se tratava de uma gangue que trabalhava em equipe para praticar seus atos. Os caninos encurralaram Ian, que já não tinha mais para onde correr. E nem conseguiria, pois sendo uma criança seu porte físico tornava impossível ele conseguir correr mais que aqueles Pokémons.

Quando os Mightyenas deram o bote para atacar o menino os quatro foram atingidos de uma vez só por uma densa descarga elétrica. Todos ali presentes tiveram sua atenção voltada para um Manectric acompanhado de um homem velho vestido de palhaço.

— Ninguém encosta nesse garoto! — o homem bradou apontando o dedo para o centro da confusão.

— Wattson! — Ian gritou por instinto, não conseguindo esconder a sua surpresa. — O que está fazendo aqui? E que roupa é essa?

— Longa história, moleque, agora corre aqui e fica atrás de mim.

— Eu não pedi sua proteção! Vai embora!

O líder de ginásio caminhou até o garoto e o puxou pela gola da camisa, o jogando atrás de si de modo que não pudesse ser alcançado pelos delinquentes sem que eles passassem pelo homem antes.

— Eu não perguntei o que você quer, seu pirralho revoltado! Não interessa se você pediu ou não por proteção, eu sou o líder de ginásio dessa cidade e pra mim isso é o que tem que ser feito. Agora fica quieto aí enquanto eu lido com esse problema em que você nos meteu!

Wattson ainda agarrou a mão de Ian, fazendo o menino abri-la para receber um balão em formato de coração.

— Segura isso aqui rapidinho, só pra eu poder batalhar melhor.

— Qual é a tua, otário? — o líder do grupo começou a encarar Wattson com um olhar ameaçador. — Não vai pensando que não vai arrumar problema com a gente só porque é velho! Mightyena, arrebenta esse Manectric com o Assurance!

Thunder Wave!

Ao comando de Wattson, seu Manectric envolveu o líder da matilha em um vórtice de energia elétrica, interceptando sua movimentação. Wattson sorriu triunfante.

— Certo amigo, os outros três vamos derrubar de uma vez só. Discharge!

Ian estava boquiaberto com o que via a sua frente. Não sabia se era com aquele show de luzes ou se a destreza de Wattson como treinador o havia tocado de alguma forma. Tudo que sabia era que naquele momento estava feliz de ver um grande treinador em ação. Agora entendia porque líderes de ginásio como aquele velho homem eram tão admirados.

Com três dos quatro Mightyenas derrotados em um único golpe, os arruaceiros logo perceberam a diferença de nível entre eles e o treinador daquele Manectric. Wattson virou seu olhar para o líder do bando para lhe dar um último aviso.

— Só sobrou você, e seu Pokémon está paralisado. Tem certeza que quer levar isso adiante?

Contrariado, o homem recuou seu Mightyena para a Pokéball, e assim fizeram os outros integrantes do grupo. Após eles dispersarem, Wattson caminhou de volta até Ian, com Manectric ao seu lado. Um breve silêncio rompeu entre os dois, até que o garoto começou a rir.

— O que houve? — indagou o treinador se animando com aquela reação.

— Eu só não digo que você foi incrível porque você tá ridículo com essa roupa!

O velho riu junto com o menino. Talvez aquela fosse a forma dele agradecer e ao mesmo tempo não demonstrar os sentimentos. Mas havia conseguido tirar um sorriso daquele rosto carregado de rancor e sofrimento. Havia cumprido sua missão, ainda que não da maneira que esperava fazer aquilo.

• • •

Wattson e Ian caminhavam de volta para o orfanato. O líder continuava chamando a atenção das pessoas na rua com sua roupa de palhaço, mas não se importava. Estaria realmente incomodado caso algo ruim tivesse acontecido ao menino.

— Então garoto... — o homem não sabia como encontrar as palavras certas para perguntar aquilo. — O que aconteceu com você foi por causa de treinadores? Por isso você não gosta de nós?

Ian ficou em silêncio por alguns segundos. Wattson por um momento pensou ter tocado naquele ponto delicado cedo demais, mas logo a resposta veio.

— Sim, foi por causa de treinadores estranhos. Eles eram encapuzados e usavam uniformes, eram um grupo de três. Queriam roubar documentos importantes e meus pais foram mortos tentando evitar. Eu sei que não são todos os treinadores que são ruins assim, mas me perguntava onde estavam os bons naquele momento? Não tinha um líder de ginásio ou membro da Elite para salvar os dois? Por isso eu comecei a culpar todos.

O menino percebeu que Wattson ficou em silêncio o observando. Ele se assustou e logo tratou de se explicar.

— M-mas isso já passou! Eu sei que era besteira minha! Depois da forma como você batalhou hoje eu sei que posso contar com vocês! Eu agradeço muito por você ter vindo me ajudar mesmo depois de tudo aquilo que eu te disse ontem.

— Não precisa se desculpar, garoto — o líder disse com um suspiro. — Você está coberto de razão. Nós não somos os heróis que a mídia tenta pintar pra população. Eu sou apenas um treinador profissional exercendo minha profissão que é decidir quem vai e quem não vai pra Liga. Da mesma forma é a Elite. Mas eu tenho um senso de responsabilidade com a cidade. E a minha preocupação não era ser nenhum tipo de salvador da sua vida. Era apenas evitar que algo ruim te acontecesse. Você ia se machucar, o orfanato ia responder judicialmente, eu ia ver a cidade que tanto amo ter seu nome manchado por conta de um crime contra um menor de idade. Ninguém ia sair ganhando com isso.

Quando retornaram ao orfanato, a Sra. Brunswick correu até Ian o abraçando forte. A mulher se segurava para não chorar, tamanha era a preocupação. Após ser solto pela recepcionista, Ian virou-se para Wattson e o encarou por alguns segundos. O garoto deu um sorriso.

— Bem, acho que vou subir para o quarto.

— Isso mesmo, vai logo — disse o velho. — Você tem que pegar suas coisas.

Tanto Ian como Brunswick olharam surpresos para Wattson, e em seguida trocaram olhares confusos. O líder percebeu a situação e deu uma gargalhada enquanto massageava a sua barriga avantajada.

— O que foi, moleque? Achou que ia ficar aqui pra sempre? Brunswick, traz a papelada! Nós vamos pra casa!


FIM DO CAPÍTULO

  


Notas do Autor - Capítulo 24


Está oficialmente iniciado o último arco da Omega Saga! Ansiosos pelo desfecho? Eu estou! Depois de tanto tempo finalmente estamos prestes a alcançar essa marca de novo. Já consegui formular tudo aqui com relação a roteiro e sequência de eventos, e agora falta o especial do Wattson e mais 4 capítulos do plot principal, totalizando 5 capítulos para cumprir essa meta (ShadZ gênio da matemática).

E o arco final da temporada não podia começar devagar. Já tivemos a revelação do Vince, aquele garoto perturbado que apareceu pela primeira vez em uma cena discreta lá no finalzinho do capítulo 4. É um personagem que ficou na fila por muito tempo pois eu não encontrava brechas para trazê-lo de volta à história. Por coincidência, o primeiro encontro entre ele e os protagonistas na Hoenn antiga também aconteceu em Mauville.

No momento estou com um pequeno bloqueio para continuar escrevendo, mas já tentando arrumar maneiras de prosseguir. Culpa do Wattson. É um líder com o qual tenho dificuldade de trabalhar, mas já peguei alguns toques com o Canas e o Dento, e espero poder concluir esse especial em breve e voltar ao plot principal. Uma vez que eu esteja de volta ao plot principal, a história flui novamente. Sigo na intenção de terminar a Omega Saga no mais tardar até a última sexta-feira de Junho.

Até lá vai rolar bastante coisa, mas seguimos trabalhando firme!


Capítulo 24

Fraqueza exposta


Depois de uma rápida travessia pela pista de ciclismo que cruzava a Rota 110, Ruby e Sapphire já conseguiam ver o topo de alguns prédios no horizonte. Mauville dava seus primeiros sinais de proximidade para os aventureiros enquanto as bikes corriam de encontro à brisa fresca que dava aos dois um ânimo a mais para continuar pedalando mesmo debaixo daquele céu ensolarado, isento de nuvens.

Ser um treinador ou coordenador licenciado em Hoenn tinha suas vantagens como, por exemplo, desfrutar de descontos em vários serviços, como compras na rede de lojas PokéMart e prioridade na reserva de quartos no Centro Pokémon ou em coisas mais simples, como o aluguel das bicicletas que estavam usando naquele momento.

Assim que chegaram ao ponto de saída a dupla já desceu das bicicletas e foram empurrando-as até a porta. Assim que saíram da recepção já deram de cara com a entrada da cidade de Mauville, local onde Sapphire desafiaria o líder de ginásio local pela sua terceira insígnia.

— Depois de fazermos a reserva no Centro Pokémon, nós podemos procurar alguma coisa pra fazer. Sei lá, talvez tomar um sorvete — disse Sapphire.

— Sério? Achei que você já ia largar tudo no quarto e ir correndo pra algum lugar no meio do mato pra treinar pro seu desafio no ginásio — Ruby tinha um leve tom de deboche, sabendo o quanto a amiga andava trabalhando duro nos últimos dias.

— Ah, qual é! Uma hora ou outra a gente precisa de descanso. E eu estava parada sem fazer nada desde que saímos de Dewford. Minha passagem por Slateport foi nula no sentido de progredir no desafio dos ginásios, então só restava compensar essa “folga” treinando pesado.

— Relaxa, eu só estava brincando. Você tem se esforçado demais ultimamente e eu também não tive descanso por causa do contest. Eu também acho que a gente deveria se divertir um pouco antes de você enfrentar o ginásio.

Depois de uma rápida passagem no Centro Pokémon, onde Sapphire deixou seu Taillow para uma avaliação, já que o mesmo já se encontrava na sua fase final de recuperação, a menina e Ruby saíram à procura de um bom lugar para comerem alguma coisa.

Escolheram uma sorveteria, como combinado logo que chegaram à cidade. O estabelecimento tinha uma pequena varanda onde ficavam algumas mesas, com um guarda-sol para protegê-los naquele dia quente. Lá mesmo eles se sentaram enquanto degustavam a sobremesa.

— Seu Torchic já tem nível para evoluir — comentou Ruby. — Por que ainda não aconteceu?

— Sei lá. Acho que o Pokémon tem que se sentir bem pra isso. E o Torchic ainda não vai muito com a minha cara, ele batalha e vence mais pelo próprio orgulho. Então não quero forçar a barra, vou deixar que ele evolua por conta própria.

— Entendo. Mas você já tem duas insígnias. As batalhas vão começar a ficar mais pesadas agora, o nível vai subindo a cada líder que você derrota. Todos os seus Pokémons estão no primeiro estágio, isso pode acabar te atrapalhando no futuro.

Ruby tinha razão, por mais que Sapphire não quisesse ouvir aquilo. A menina treinava forte com seu time diariamente para poder contornar aquele problema, mas na verdade sabia que cedo ou tarde um Pokémon evoluído seria necessário. Só não queria privá-los de sua liberdade de escolha.

— Eu sei que uma hora eles vão acabar evoluindo. Meu método é esse, deixar que eles saibam quando é a hora. Tenho certeza que no momento certo vai acontecer.

A conversa entre os dois foi interrompida por conta de uma confusão que se formava do lado de fora da sorveteria. Ao saírem às pressas para ver o que acontecia, Sapphire e Ruby perceberam que uma batalha ao ar livre ocorria entre um garoto da mesma idade que eles e um outro um pouco mais novo.

O mais velho tinha cabelos escuros e uma expressão rancorosa no rosto, e usava um Houndour, um Pokémon incomum em Hoenn. O garoto que batalhava contra ele, por sua vez, tinha um Minun que parecia estar seriamente machucado.

— Minun, não vamos nos dar por vencidos — disse o treinador do roedor elétrico.

— Eu já avisei que vocês têm que saber a hora de desistir — disse o rapaz. — Feint Attack!

O golpe foi forte. Minun caiu de forma definitiva, encerrando a batalha. O garoto mais novo tremia em preocupação ao ver o estado de seu Pokémon, sem saber o que fazer. Só queria pegá-lo e sair correndo em direção ao Centro Pokémon. Quando fez a menção, porém, de ir até ele para pegá-lo a voz do mais velho pôde ser ouvida por toda aquela parte da rua.

Fire Fang.

Houndour avançou em direção ao Minun desacordado com suas presas em chamas, pronto para dar um golpe definitivo, mas o mesmo foi interceptado por um Torchic que usou um Sand Attack para atordoá-lo. Sapphire apareceu correndo na frente de Minun e seu treinador com a intenção de acobertá-los para que saíssem dali em segurança.

— Pega ele e vai pro Centro Pokémon imediatamente! Quanto mais cedo você for melhor! — a garota então se virou para o treinador que estava agora a sua frente a encarando com um pesado olhar de desagrado. — O que você pensa que está fazendo? Essa batalha já terminou!

— É mesmo? — o garoto rebateu em tom de provocação. — Eu não me lembro do pirralho ter admitido a derrota, então achei que ele ia continuar. Ele mesmo estava falando coisas como "não vamos nos dar por vencidos", ou algo do tipo.

Sapphire sentiu o sangue ferver naquele momento. A garota não conseguia aceitar que um treinador usasse seus Pokémons para ferir os outros. Ela cerrou os punhos, se contendo para não agredi-lo ali mesmo, mas fez o que era esperado de sua posição como treinadora. Faria justiça da forma correta.

O garoto percebeu que ela gesticulou para que Torchic se colocasse em posição de alerta. Sua expressão imediata foi de impaciência. Ele não tinha vontade nenhuma de continuar batalhando, só queria sair dali o quanto antes.

— É sério isso? Você vai me desafiar para uma batalha? — o rapaz esfregou o rosto em descontentamento. — Escuta, garota, eu não tenho disposição pra lidar com gente que brinca de ser treinador. Vamos fazer o seguinte. Eu vou relevar o fato de você ter interrompido minha outra batalha contra aquela criança idiota e vou deixar você seguir com sua rotina. Só não vem testar minha paciência.

— É óbvio que é sério! Você acha que vai sair impune depois do que tentou fazer com aquele garoto?

— Já que é assim, então tenta me dar uma lição. Vou deixar que você comece.

— Não precisa nem dizer! Torchic, use o Peck!

— Houndour, Smog!

Uma densa nuvem de gás tóxico foi disparada na direção do Torchic, que foi forçado a parar o ataque e recuar para não ser pego pelo ataque e sofrer algum risco de contaminação.

— Complete com o Faint Attack!

De trás do véu de poluição Houndour surgiu acertando um ataque furtivo que deixou Dan sem condições de se defender ou esquivar. A diferença de níveis era clara, o canino era muito mais forte que a pequena ave, e a força de seus ataques causava muito mais dano do que se estivessem no mesmo nível. O Torchic tombou para trás, já demonstrando sinais de que não aguentaria aquela batalha por muito tempo.

Houndour prendeu Torchic no chão com suas patas dianteiras. Sapphire estava em choque, nunca havia sido pressionada daquele jeito, nem mesmo em uma batalha contra líderes de ginásio. Ela simplesmente não encontrava maneiras de responder àquela sucessão de ataques.

— Torchic, use o Scratch para tirar ele de cima de você!

Mesmo com suas patas livres o ataque não alcançava a cabeça de Houndour, que era quem ele estava tentando atacar. O garoto já não estava com tanta paciência, e resolveu acabar logo com aquilo.

Dark Pulse.

A proximidade entre os dois fez com que o ataque fosse certeiro e bem mais perigoso. A explosão de energia sombria entre os dois levantou uma nuvem de poeira, dificultando a todos os presentes que se pudesse ver logo de imediato o que havia acontecido. Mas não durou muito tempo até a visibilidade ser restabelecida. Quando a poeira se dissipou, Torchic estava nocauteado e seriamente ferido, enquanto Houndour permanecia no mesmo estado de quando havia começado a batalha.

— Torchic! — gritou Sapphire, desesperada e já cedendo a ficar de joelhos no meio da rua onde os dois batalhavam.

— Eu estou farto de perder meu tempo com crianças — disse o rapaz com a voz em tom de fúria. — Vocês são medíocres, achando que são alguém porque conseguem vencer batalhas brandas disfarçadas de desafios e colecionar medalhinhas coloridas. Achou que fosse me derrotar porque confiou demais no seu Pokémon de baixo nível. Você e aquele pivete do Minun são iguais, dois merdas que se dizem treinadores.

Sapphire estava sem reação, seus braços trêmulos eram o que tentavam sustentá-la para que não caísse ao chão, mesmo que já estivesse de joelhos. Sua voz não saía, o nó em sua garganta não deixava.

— O que você achou que tinha a seu favor para ganhar de mim? — o garoto continuou. — Amizade? Acreditar em si mesma? Perseverança? O que vence batalhas é poder, é força! É isso que eu busco enquanto vocês, um rebanho de imbecis, insiste em continuar nesse conto de fadas que são as jornadas e o desafio da Liga Pokémon.

A garota enfim conseguiu se levantar, respirou fundo e dirigiu um olhar severo para o seu adversário, se é que ainda podia chamá-lo assim. Já começava a enxergá-lo como um inimigo.

— Acha que tudo se resume a poder? De que serve o poder se você só vai usá-lo para reprimir aqueles que são mais fracos? Você realmente vê alguma justificativa nisso?

— Eu vejo toda a justificativa nisso. Nossa sociedade se gaba de ser civilizada. Somos apenas travestidos de seres racionais, mas nosso instinto predatório é latente. Estamos apenas à espera de algum pretexto para nos libertarmos das amarras que a sociedade a nossa volta nos impõe e poder voltar a alimentar nossos desejos e instintos. Ou você caça ou é caçado. Eu e minha equipe nos cansamos de ser caça, e decidimos nos tornar caçadores. E um dia vamos caçar os degenerados que um dia ousaram nos caçar.

— Isso é a coisa mais absurda que já ouvi — Ruby sussurrou enquanto amparava Sapphire.

— Espero que você entenda que as coisas são assim na vida real, garota. Que isso sirva de lição para te mostrar que tudo que você tem feito até agora imaginando que era um objetivo de vida não passa de uma brincadeira infantil. Espero não ser mais importunado por escória como vocês me pedindo para batalhar. Já perdi tempo demais correspondendo aos anseios de gente que não merece o meu tempo.

O treinador ergueu um dos braços, sinalizando para seu Houndour que um novo ataque seria executado. O canino se postou pronto para avançar em Sapphire e Dan, aguardando apenas o comando que veio logo em seguida:

Fire Fang nos dois!

Mais uma vez Houndour foi bloqueado antes que o pior acontecesse, dessa vez por um Manectric que investiu na hora exata interceptando o ataque e afastando o Pokémon de fogo.

Quem o comandava era um homem já com certa idade, calvo de cabelos e barba grisalhos. Ele vinha andando firme e com um olhar sério na direção dos treinadores, com as pessoas em volta abrindo passagem ao vê-lo se aproximar.

— Ouvi dizer que tem um pessoal barulhento perturbando as pessoas por aqui — disse o velho, ignorando o burburinho das pessoas em volta.

— E quem é você pra se achar no direito de interferir na batalha? — o rapaz retrucou com agressividade. — Se quiser terminar como ela então entra na fila!

— Quem eu sou? Que bom que você perguntou. Eu sou Wattson, líder do ginásio dessa cidade. É bom você parar de bancar o rebelde, ou eu vou ter que te dar uma lição.

O garoto ao ouvir aquilo começou a gargalhar alto, e não parecia conseguir controlar o riso, estava realmente achando graça naquilo tudo. Foi então que ele se virou para Sapphire.

— Olha aí, seu super-herói chegou! Pede pra ele te ajudar. Vai treinar lá enfrentando ele pra ver se seu time fica um pouco menos vergonhoso!

O garoto se virou para Wattson com um semblante de puro deboche.

— Foi mal aí, velho! Eu poderia limpar o chão com a sua cara facilmente, mas já perdi tempo demais dando uma dose de realidade pra essa criançada. Tenho afazeres mais importantes. Vá cuidar da sua vida!

Antes que o garoto fosse embora, Sapphire o chamou uma última vez. Já sem paciência, ele se virou para escutá-la.

— Qual o seu nome?

O garoto fez uma expressão de incredulidade. Não estava esperando por uma pergunta daquela. Segurou o riso por muito pouco e respirou fundo.

— Você por acaso acha que isso é algum episódio de anime ou algo do tipo? E se eu disser meu nome, você vai dizer o que em seguida? “Vince, um dia eu vou te derrotar”! Francamente, você não acha que já passou vergonha demais pra um dia só?

Enfim o garoto foi embora. As pessoas que observavam o conflito começaram a dispersar aos poucos. Sapphire e Ruby não tiveram muito tempo para se lamentar naquela hora. Eles precisavam levar Torchic com urgência para o Centro Pokémon. Antes de saírem às pressas, Wattson segurou no ombro da garota.

— Eu vou com você. Vamos deixar seu Torchic sob os cuidados do Centro Pokémon e lá depois você me conta os detalhes do que aconteceu aqui.

Mais tarde naquele dia, Wattson estava sentado à mesa do refeitório do Centro Pokémon, com Sapphire e Ruby do outro lado. Eles escolheram a mesa mais afastada, aproveitando que o local não estava tão cheio, para que não fossem ouvidos.

— Desculpa tomar o tempo de vocês dois. Mas eu queria que vocês me respondessem qualquer coisa que sabem sobre esse garoto com quem vocês batalharam hoje cedo.

Sapphire permaneceu calada e cabisbaixa. Não conseguia manter a cabeça vazia para poder conversar sobre aquilo. Foi Ruby então quem tomou as rédeas da conversa.

— Nós estávamos por perto quando esse cara tentou atacar covardemente um treinador e Pokémon que ele havia acabado de derrotar. Sapphire interveio antes que ele conseguisse, os dois começaram a batalhar e se não fosse por você ter chegado a tempo a mesma coisa teria acontecido com ela.

— Fora isso vocês não têm nenhuma pista de onde ele pode ter vindo, não é? — o líder de ginásio cruzou os braços e fez uma expressão de lamento. — Entendo. Eu estou observando tudo de diferente que eu vejo acontecendo por aí. Nos últimos dias eu tenho sentido algo estranho com essa cidade, como se algo fosse acontecer. Sou nascido e criado aqui, estou com setenta e um anos e nunca me senti desse jeito. Tem algo errado acontecendo.

O homem se levantou para ir embora, mas antes de sair dirigiu a palavra a Sapphire uma última vez.

— Eu desejo uma boa recuperação ao seu Torchic. Eu vi que aquele garoto comentou sobre você ser uma desafiante da Liga, então quando estiver com a cabeça mais tranquila pode ir lá me procurar que eu vou aceitar seu desafio diretamente. Em respeito ao que você passou hoje, eu não vou te dar nenhum teste prévio como os outros líderes costumam fazer. Até lá eu recomendo que você tenha um bom descanso e deixe seu Pokémon com a equipe médica daqui, que eu te dou a certeza de ser uma das melhores de toda Hoenn.

Assim que Wattson foi embora Ruby e Sapphire saíram do refeitório para subir as escadas para o quarto que haviam reservado. No caminho até lá apenas silêncio. Ruby sempre foi do tipo que não gostava de barulho excessivo, por isso às vezes se irritava um pouco com o jeito cheio de energia de Sapphire. Mas aquele silêncio o torturava.

Ele sentia que parte da culpa era sua, já que não fez nada para tentar ao menos revidar o que aquele treinador havia feito com a amiga. E nem conseguiria. Se Sapphire não teve condições de vencer aquela batalha, o que o ele poderia fazer?

Os dois entraram no quarto. Sapphire já começava a caminhar em direção ao banheiro quando Ruby a segurou pelo braço. O menino se assustou ao perceber a atitude impulsiva, e imaginava que a garota acabaria brigando com ele como ela costumava fazer quando se sentia constrangida. No entanto, não se teve resposta. Ela apenas voltou seu olhar devagar para o garoto, uma expressão vaga de quem não tinha mais ânimo.

O silêncio se estendeu por mais alguns segundos. Ruby não sabia como dizer a ela o que estava sentindo naquele momento. A sensação de impotência também era dele, os dois estavam abatidos, mas de formas diferentes. Sapphire pelo choque de realidade, e Ruby por vê-la daquele jeito.

— O que houve? — ela perguntou. — Eu só vou tomar um banho e descansar um pouco, não tô com muita vontade de fazer nada agora.

— Eu sei que não posso te obrigar a ficar alegre depois do que aconteceu mais cedo, mas eu não gosto de te ver assim — o garoto começou a falar, ainda um pouco travado por conta de odiar se abrir para qualquer pessoa. — Mas eu quero que saiba que você é uma ótima treinadora. É normal ter coisas a aprender ainda, você começou sua primeira jornada há pouco tempo e mesmo assim já tem duas insígnias e realizou batalhas incríveis!

Sapphire se assustou com aquele sermão repentino. Ruby era uma pessoa fechada, muitas vezes ranzinza, cujos sentimentos eram difíceis de identificar. Não sabia onde ele queria chegar com tudo aquilo.

— Eu também sinto um pouco de culpa por não ter conseguido fazer alguma coisa — ele continuou. — E por isso eu prometo que vou treinar mais. Nós vamos treinar mais, quero dizer. Você ainda vai perder outras batalhas no futuro, isso é certo para todos, mas vai ficar forte para nunca mais ser derrotada dessa forma. E eu vou ficar forte também, porque se um dia você precisar eu poderei entrar na briga junto.

O sorriso dele era sincero, e de certa forma até reconfortante. Nem parecia mais o garoto mimado e resmungão que se recusava a comer berries recém-colhidas nas árvores da estrada. Sapphire retribuiu o apoio do amigo com um sorriso, ainda que tímido, mas que foi complementado por um abraço apertado. Se ela se sentia frágil naquele momento, deixaria que seu melhor amigo fosse sua armadura, pelo menos daquela vez.

— Obrigada, Ruby — a menina agradeceu, ainda um pouco sem graça, quando os dois se soltaram. — Acho que se não fosse por você, e até pela Miriam no tempo em que ela ficou com a gente, eu poderia ter desistido antes de enfrentar a Roxanne.

— Eu digo o mesmo. Se você não tivesse caído no quintal da minha casa eu poderia te ver como uma visita qualquer, e não teria a vontade de sair de casa. Minha vida tem sido um tédio nos últimos anos, e achei que quando eu e minha família chegássemos a Hoenn ia continuar tudo igual. Não vou mentir que fiquei intrigado com sua aparição bizarra.

Os dois riram por um momento. Aos poucos o peso nas costas de cada um parecia sumir devagar, mas com alívio.

— A gente pode ver algum outro lugar na cidade pra visitar. É cedo ainda, não sei se você conseguiria dormir agora por mais que tentasse.

— Eu já tô melhor, mas tem uma coisa que eu ainda preciso fazer.

— O Torchic?

— É...

Tendo descansado do dia que se passou, Sapphire desceu até a ala hospitalar para visitar Torchic. Com a autorização da enfermeira ela entrou em uma sala onde alguns Pokémons estavam, alguns acompanhados de seus treinadores, outros descansando.

Seu parceiro estava em uma maca no canto da sala. Já parecia estar muito bem, passaria a noite em observação apenas para que houvesse a certeza de que poderia receber alta na manhã seguinte. A expressão da pequena ave não foi das melhores ao ver Sapphire, se virando com rapidez para a parede ao lado.

— Eu sei que você me odeia. Eu só nunca entendi o motivo. Sempre me esforcei pra ser uma boa treinadora, sempre tratei vocês da melhor forma que eu podia. Mas agora eu comecei a perceber que talvez não seja o suficiente.

Torchic voltou a observá-la, mas sem expressar nenhuma reação. O olhar continuava seco, cansado, mas pelo menos ele tentaria ouvir o que sua treinadora tinha a dizer.

— Eu acho que nunca parei pra pensar no lado de vocês. Te coloquei em risco hoje porque queria aquela vitória e não calculei a diferença entre a força dos adversários e a nossa. Mas agora sei que só uma parte de mim queria a vitória pra fazer justiça. Com o passar da batalha o desejo de vencer passou a ser voltado pro meu próprio ego, e você se machucou seriamente por causa disso.

Sapphire usou o braço para esfregar os olhos e ao mesmo tempo tapar o rosto para que Torchic não visse outras lágrimas escorrerem.

— Droga, eu odeio não conseguir me controlar.

A expressão de seu Pokémon ficou um pouco mais serena. A treinadora respirou fundo e se levantou de sua cadeira, já prestes a sair para permitir que seu companheiro tivesse uma noite de descanso.

— Eu só quero que você me ajude no ginásio de Wattson. Depois disso eu vou deixar que você decida. Se você não gosta de me ter como treinadora eu não quero te forçar a seguir viagem comigo ou gostar de mim. Mas uma coisa eu garanto — ela fixou seus olhos azuis no pequeno. — Se você me der uma chance e continuar junto comigo eu nunca mais vou permitir que algo assim aconteça de novo. Nem com você e nem com os outros.

Sapphire deixou a sala. Dan continuou encarando a porta que havia acabado de se fechar. Quando viu que ninguém o observava o Torchic esboçou um sorriso de canto, bem discreto.

— Essa humana idiota...

• • •

Roxanne havia acabado de finalizar uma batalha de ginásio. Seu desafiante, derrotado, foi embora pisando com força no chão enquanto a líder só o observava com um olhar de desinteresse.

Pouco tempo depois Steven entrou às pressas e se dirigiu até o local onde a mulher costumava ficar, o velho altar onde havia estátuas de Pokémons ancestrais. A julgar pela expressão de ansiedade no rosto do rapaz, Roxanne já imaginava que novidades tinham chegado.

— Pelo visto você descobriu alguma coisa — disse a mulher.

— Coloque um substituto temporário aqui no ginásio. Estamos indo para Mauville depois de amanhã!

Roxanne se surpreendeu com aquele comunicado repentino.

— O que houve?

— Tenho que resolver outras coisas agora, mas quando estivermos a caminho eu te explico. Mas desde já eu digo que devemos ir até lá, ou as coisas podem acabar ficando feias.

FIM DO CAPÍTULO 24

  


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