Notas do Autor - Capítulo 35

 


Já faz um tempo desde o último capítulo, não é? kkkkkk

Bom, de qualquer forma eu já estou finalizando os últimos detalhes do capítulo que preciso ter pronto para resolver tudo em Verdanturf, então posso garantir que até o fim do ano teremos o fechamento desse arco. São mais dois capítulos, afinal.

Falando sobre o capítulo, todos sabem a dificuldade que tenho com contests. Mas sendo bem sincero, eu até que fiquei satisfeito com o resultado desse. Especialmente pelas apresentações do Ruby e da Vivi. A Emily eu realmente achei que merecia mais, mas ela vai ter seu momento ainda. É uma personagem que eu gosto de colocar na história, mesmo não havendo muitas oportunidades pra isso.

O Wallace eu quis colocar logo agora porque achei que já seria interessante que ele conhecesse os protagonistas para acelerar alguns planos que tenho para o futuro da história. Alguns Elites vão aparecer daqui em diante, não vou dizer onde pra não estragar a surpresa, mas vez ou outra vocês vão vê-los por aí.

Então é isso. Sem muito o que falar por agora. Vou tentar trazer em breve algum planejamento das datas dos próximos capítulos até o fim desse arco, para que a gente tenha um fim de ano mais organizado com relação a cronograma kkkkkkk

Até a próxima! õ/

Capítulo 35

 Adaptar e superar


Era chegado o dia do Contest de Verdanturf. A cidade estava abarrotada de gente, pois além das pessoas que já estavam se hospedando por lá o evento ainda atraía alguns espectadores de última hora que vinham das cidades próximas. Ruby tinha passado os últimos dois dias treinando exaustivamente alguma apresentação em duplas que pudesse ser proveitosa para conseguir a fita.


O fato de ter descoberto quase em cima da hora que o modelo de apresentação seria diferente do que estava esperando o fez mudar o planejamento e tentar uma resposta de emergência, mas após alguns exaustivos dias o garoto havia conseguido elaborar uma exibição que ele julgava ser suficiente para ter chances de sair vitorioso.


Sapphire e Zinnia o acompanharam durante esse tempo, observando as tentativas do garoto de fazer as suas apresentações darem certo, treinando repetições de movimentos e ensaiando o passo a passo com seus Pokémons que ele havia escalado para participar. Wally, que não ia competir, o auxiliava com ideias e críticas, tentando mostrar a Ruby se ainda havia algum ponto a melhorar.


O grupo chegou cedo ao Contest Hall para que Ruby pudesse se preparar sem pressa. O garoto seguiu para os camarins, enquanto via seus amigos se distanciarem a caminho das arquibancadas. O local já estava movimentado, pois Verdanturf era uma das etapas mais tradicionais das temporadas de contests em Hoenn. Muita gente vinha de vários lugares da região para assistir as apresentações ao vivo, e por conta disso as pessoas já começavam a lotar a arena desde cedo na tentativa de não ter que disputar os melhores lugares.


Após se separarem do coordenador, o trio restante subiu os degraus da arena em busca de um lugar onde pudessem se sentar juntos. Eles tentavam passar pelas fileiras de pessoas sentadas com todo o cuidado para não esbarrar nos espectadores já acomodados, e após alguns passos desajeitados conseguiram tomar seus lugares em um grupo de poltronas vagas.


O tempo foi passando. Ainda havia algum tempo antes do início, já que eles chegaram bem antes do horário previsto para começar a competição, pois Ruby como competidor precisava estar lá com antecedência para dar tempo de se arrumar para a apresentação.


Dentro do saguão onde ficavam os participantes, Ruby se mantinha sentado em um sofá aguardando um dos camarins ficar livre. O garoto estava pensativo, trabalhando em sua mente a recapitulação de toda a apresentação que tinha conseguido ensaiar com sua equipe. Mesmo tendo sido algo feito às pressas devido ao tempo curto, ele estava convencido de que conseguiu elaborar algo interessante, e até com potencial de dar certo.


Seus pensamentos só foram interrompidos quando um sinal de alerta foi enviado pelo seu subconsciente, sentindo a aproximação de alguém com quem ele não estava muito à vontade de iniciar uma conversa. Emily parou em frente ao rapaz, com as mãos na cintura e o peito estufado, já saboreando o que acreditava ser um triunfo, se não no Contest em si, pelo menos na disputa pessoal entre os dois.


— Estou morrendo de ansiedade para ver a sua apresentação, Ruby — disse a menina, tentando conter a sensação de euforia que parecia querer saltar para fora da garganta. — Com certeza vai ser encantadora, já estou me preparando pra chorar de alegria.


— Obrigado pela consideração, é sempre bom receber palavras de incentivo dos meus fãs — o garoto rebateu a ironia. — Vou fazer o máximo para corresponder as suas expectativas.


Emily soltou um breve riso contido, disfarçando o tom de deboche.


— Eu tenho certeza que vai — e assim a menina saiu andando para outro canto do saguão, enquanto Ruby a observava com uma expressão farta.


Cerca de uma hora e meia se passou desde então para que finalmente as luzes se apagassem, indicando a todos que o Contest começaria naquele momento. Apenas o palco estava iluminado, recebendo a apresentadora que tomou a fala para anunciar a abertura.


— Público presente, cidade de Verdanturf e toda Hoenn que nos assiste de casa, hoje estamos de volta para mais um contest da fase qualificatória do Grande Festival! — a narradora mantinha uma voz firme e eufórica, tentando trazer para si o público que lá estava. — Nos encontramos de novo para mais um dia de belas apresentações dos nossos talentosos coordenadores. Para aqueles que estão chegando pela primeira vez, meu nome é Harriet, e serei a apresentadora da competição de hoje.


Aplausos efusivos vinham das arquibancadas lotadas. O público saudava o início da competição, que prometia trazer apresentações muito mais técnicas e elaboradas do que os contests open rank, como eram chamados aqueles que não exigiam um número mínimo de fitas para participar. Harriet sorriu de canto ao notar a receptividade da plateia, logo retomando a fala para que não ficassem muito mais tempo esperando.


— Antes de começarmos eu preciso fazer dois anúncios. O primeiro é que Frederick, um de nossos queridos jurados, não estará presente no contest de hoje. Temos uma equipe de avaliadores que está crescendo a cada dia, provando o quanto a nossa organização leva os eventos a sério e procura sempre trazer a melhor experiência para todos. Mas não se preocupem, temos alguém que vai compor a banca hoje que temos certeza de que fará um trabalho de igual excelência.


A apresentadora respirou fundo para recuperar o fôlego. Ainda fazia calor em Verdanturf naquele dia, e isso com certeza ajudava no desgaste de alguém que precisava usar a voz com aquela frequência.


— Nossa banca de jurados hoje será composta por Glacia, integrante da Elite da Liga de Hoenn — Harriet aguarda a chuva de aplausos do público para receber a jurada antes de continuar. — Acompanhando Glacia estará Lisia, top coordenadora e atual campeã do Grande Festival, um dos maiores orgulhos de Hoenn.


As duas juradas caminharam até a bancada enquanto eram recebidas por ovações intensas da arena. Ambas acenavam ao público, Glacia com sua elegância costumeira e Lisia com aquela euforia e carisma típicos de quem era o novo rosto que liderava o rol de celebridades da região. Harriet esperou que as duas se sentassem em seus lugares para finalizar os anúncios preliminares.


— Por fim, mas não menos importante, temos uma presença muito especial para o lugar de Frederick hoje — a mulher parecia agarrar o microfone com mais força, como se estivesse se contendo para não perder o controle. — Certamente um dos maiores símbolos de Hoenn, detentor de um currículo raríssimo de alguém que dominou a arte de ser tanto treinador como coordenador. O único de nossa região a ter sido Campeão do Grande Festival e da Liga Pokémon, tendo mantido ambos os postos simultaneamente. O príncipe aquático de Sootopolis, Wallace!


Era possível sentir a arena tremer, tamanha era a intensidade dos pulos e da gritaria do público que naquele momento recebia um dos maiores ícones da região. Wallace adentrava o palco com o porte de um membro da realeza, acenando ao público e se certificando de que estava cumprimentando todas as direções onde havia arquibancadas. E tudo isso sem perder a compostura ou seu sorriso marcado pela serenidade de quem era um verdadeiro especialista.


— Não é possível! — Ruby estava trêmulo na sala de espera ao ver a composição da banca de jurados tendo uma lenda como Wallace como membro.


— Só pode ser brincadeira! — até mesmo Sapphire nas arquibancadas estava chocada com a presença do ex-Campeão de Hoenn.


— Sem mais delongas, vamos iniciar as apresentações de hoje — Harriet anunciava com euforia a entrada da competidora. — É com muito prazer que anuncio a primeira participante de hoje, Victoria Winstrate!


Uma menina entrou no palco recebendo aplausos dos espectadores. Ela aparentava ter a mesma idade de Ruby, talvez um pouco mais velha. Uma característica que a destacava era um rabo de cavalo volumoso que prendia seus cabelos castanhos. A menina sacou duas Pokéballs de seu bolso, liberando um Shroomish e um Numel, causando surpresa em algumas pessoas, que se perguntavam como ela faria para combinar tipos antagônicos como aqueles dois.


— Muito bem, do jeito que planejamos — a garota gesticulou com o dedo indicador, apontando para a dupla e em seguida para cima.


Shroomish saltou na cabeça de Numel, que já estava baixa, próxima ao chão, esperando aquele movimento. O pescoço mais comprido do pequeno camelídeo era uma ferramenta importante para que aquela apresentação tivesse sucesso. Quando Numel ergueu rápido sua cabeça, o movimento fez com que Shroomish conseguisse um impulso extra para fazer um salto na arena, quase chegando na altura dos holofotes.


Bullet Seed! — exclamou a garota, dando o sinal com um estalo de dedos.


O Pokémon cogumelo rodopiou no ar enquanto disparava uma rajada de sementes em um ângulo mais alto, de forma que elas não se afastassem muito do centro do palco, e ao mesmo tempo que pudessem perder velocidade na trajetória de subida.


Enquanto Shroomish descia, Numel se adiantou para sua posição. Vivi rapidamente fez o sinal para que a criatura de fogo se preparasse para o ataque.


— Hora de aumentar a temperatura da plateia, Flame Burst!


Numel disparou uma bola de fogo para o centro da circunferência formada pelas sementes que começavam a cair. Quando a chama chegou ao centro, ela explodiu em várias direções, acertando as sementes e fazendo-as pegar fogo enquanto ganhavam um novo impulso para o alto.


— Vamos finalizar, Bullet Seed novamente!


As chamas torraram as sementes que foram lançadas antes, tornando-as secas e quebradiças. Quando as sementes da segunda rajada colidiram com as primeiras, o impacto as fez estourar, fazendo com que o palco fosse coberto por uma chuva de pequenos flocos de brasas incandescentes, que se apagavam pouco antes de tocar o chão como as cinzas que decretavam o fim da apresentação.


Ruby engoliu seco. Os contests de Rank 1 estavam apenas um patamar acima dos contests de entrada, e mesmo assim a diferença de nível nas apresentações era bem evidente. Vivi era talentosa o bastante para deixá-lo para trás sem muito esforço. O garoto começava a ficar nervoso, pensando se todos os competidores ali presentes teriam um nível igual ou até superior ao demonstrado pela menina.


— Essa daí é forte candidata a conquistar a fita — comentou Emily, de braços cruzados enquanto assistia à avaliação final dos jurados.


O garoto nunca imaginou que algo dito pela loira seria capaz de tranquilizá-lo de alguma forma, mas pelo menos agora pensava que, dado o comentário da rival, a apresentação de Vivi estava próxima ao teto de habilidade daquele nível.


A recepção dos jurados foi muito positiva. O fato de o primeiro coordenador a se apresentar fazer uma apresentação muito boa era motivo de preocupação para os demais competidores, pois poderia influenciar os jurados jogando suas expectativas para o alto. Vivi tinha a vantagem não só pela própria apresentação ter sido muito boa, mas também pelo impacto que causara logo de imediato, a ponto de fazer mesmo Glacia quebrar sua seriedade costumeira e esboçar um sorriso discreto.


Por outro lado, tanto Ruby quanto Emily estavam aliviados de não terem sido logo os primeiros a se apresentar após Vivi. Os coordenadores que vinham em seguida à apresentação de abertura, à medida que faziam apresentações medianas, contribuíam para diminuir as expectativas criadas nos jurados. Não era muito bom que eles ficassem de mau humor com os competidores em geral, mas isso eles poderiam usar isso a seu favor para reconquistá-los com um novo impacto positivo.


E nisso chegou a vez de Emily. Harriet anunciou sua vez, trazendo a curiosidade do público que estava curioso para ver uma estreante da temporada em seu primeiro contest da categoria R1.


Emily tomou posição no centro do palco. Ruby notou que a postura da garota estava muito mais firme e centrada do que no primeiro contest onde a tinha visto disputando, ainda em Rustboro. O excesso de confiança de antes havia sumido, mas isso não significava que ela estava insegura. Pelo contrário, ela passava agora um tom de seriedade como quem queria deixar bem claro que havia entrado ali com a intenção de vencer. Vivi, por sua vez, caminhou até onde Ruby estava, interessada no lugar deixado pela competidora da vez.


— Oi, tudo bem? Eu ficar aqui atrapalha a sua visão? — a menina perguntou. — Tá difícil de arranjar um bom lugar pra ver as outras apresentações com o saguão lotado desse jeito.


— Não, claro que não — Ruby respondeu, já mais confortável de ver que Vivi parecia ser simpática. — Daqui eu consigo ver muito bem, pode ficar à vontade.


Emily sacou as Pokéballs de seus parceiros, as aproximou de seu rosto e com os olhos fechados sussurrou suas palavras finais antes de iniciar a apresentação.


— É com vocês agora.


Quando a dupla foi lançada o público vibrou com a entrada de um Spoink e um Lombre em cena. Ruby ficou surpreso ao conhecer dois novos membros da menina, pois esperava ver novamente o Volbeat que havia garantido a ela a vitória no primeiro contest.


— Ela veio pra jogar de verdade — o garoto comentou baixo.


— O que quer dizer? — Vivi indagou curiosa.


— Psíquico, planta, água... — Ruby analisava a dupla escolhida por Emily. — São três tipos famosos em contests, pois possuem muitas técnicas com grande apelo visual. Dali pode sair qualquer coisa.


— Agora que você falou realmente faz sentido — a menina abriu um sorriso de empolgação. — Eu nunca tinha parado pra pensar nisso. Vai ser interessante ver o que ela tem pra mostrar. Sinto que vou aprender alguma coisa assistindo essa apresentação.


— Que dia perfeito... — Emily sussurrava para não ser ouvida. — Foi realmente a hora certa para eu usar o Lombre em uma apresentação. Vou encantar o Wallace mostrando a ele o que eu sei fazer com um Pokémon aquático. Lombre, comece usando o Mist!


A neblina que se formou dentro do pequeno estádio era densa. Alguns espectadores nas arquibancadas acabavam por instinto esticando o pescoço para cima na esperança de enxergar melhor o que se passava, mas a visibilidade era pouca.


— Agora Bubblebeam! Espalhe as bolhas por todo o palco.


— Bolhas... — Glacia sussurrou na mesa dos jurados. — De novo. Já foi usado várias vezes esse ano, inclusive nos contests de entrada.


— Acalme-se, Glacia — interrompeu Wallace, atento à apresentação. — Deixe-a terminar primeiro, e depois vamos avaliar.


Conforme as bolas se dispersavam pelo palco, Spoink se posicionou aguardando a sua vez de conduzir a apresentação. Com o comando de Emily, o porquinho ergueu seus braços e se tornou envolto por uma aura púrpura brilhante. Para quem assistia das arquibancadas, era como se uma chama roxa tivesse surgido no meio da neblina, quando na verdade era a técnica Psych Up, usada por Pokémons psíquicos para melhorar de forma momentânea alguns de seus atributos em batalha, incluindo a precisão na execução das técnicas.


Com mais um comando de sua coordenadora, Spoink usou Confusion para guiar as bolhas pelo palco de forma sincronizada. Elas podiam ser vistas pelos espectadores também, não só pela aura azulada como pelo fato de o movimento rápido delas afetar a neblina, fazendo-a se dispersar aos poucos e criando uma atmosfera mística por toda a arena, potencializada pela baixa iluminação do local que acabava por realçar a luminescência das técnicas psíquicas de Spoink.


A pedido da coordenadora, o Pokémon psíquico guiou as bolhas pela arena, fazendo-as passear por entre a plateia, e pouco a pouco elas eram depositadas nas mãos dos espectadores.


Uma grande ovação tomou conta do Contest Hall. Até mesmo os jurados aplaudiam, ainda que Glacia o fizesse de forma mais comedida. Ruby engoliu seco. Emily havia melhorado muito desde a última vez que ele a havia visto. A ideia de perder novamente para a garota não o agradava nem um pouco, mas ele estava confiante de que também faria uma boa apresentação com o que havia conseguido naquele pouco tempo de preparação.


Mais três participantes se apresentaram após Emily, mas nenhum deles se destacou tanto para causar algum receio em Ruby. Quando o último deles sai do palco, Harriet assume a fala mais uma vez e anuncia a apresentação do novato.


Ruby subiu ao palco, percebendo que o público o recebia com certa curiosidade. Tal como Emily, o garoto chamava a atenção dos espectadores, intrigados pelo que ele poderia fazer em seu primeiro Contest naquele rank mais alto. Ainda que não fosse a intenção da plateia, aquilo significava uma pressão extra para o menino.


Com suas duas Pokéballs em mãos, o garoto trouxe para o palco Skitty e Clamperl. Os olhares curiosos dos espectadores e dos jurados se dirigiam diretamente para a pequena ostra, que chamava a atenção devido à sua coloração incomum. O garoto percebeu que até mesmo Wallace focou a sua atenção no Pokémon aquático, o que não era algo tão bom quanto ele imaginava que seria, afinal um especialista daquele calibre só colocaria mais pressão sobre seus ombros.


Mas Ruby respirou fundo, e ao cessar dos aplausos na arena o coordenador iniciou a sua apresentação sem perder mais tempo. Era o momento de descobrir se ele era capaz de entregar algo bom com tão pouco tempo de preparo. Era hora de ir pro tudo ou nada.


— Do jeito que praticamos, meninas! Skitty, use o Attract mirando para cima e em seguida o Disarming Voice na mesma direção!


As ondas sonoras emitidas pelo som estridente causado por Skitty criaram um impacto suficiente para impulsionar a combinação de corações rosas e vermelhos para o alto. O público parecia atento à combinação de técnicas vendo-os flutuarem calmamente ao redor do palco, ligados pelas próprias ondas sonoras, enquanto os jurados ainda acompanhavam Ruby e sua dupla para ver como eles dariam prosseguimento à apresentação.


— Clamperl, agora! Water Gun na direção do chão! Skitty, acompanhe o movimento!


A pequena ostra mirou para o chão e disparou uma carga d’água que a impulsionou para o alto. Durante a execução do golpe, Skitty rapidamente saltou para se posicionar acima da concha de sua dupla, e as duas foram alçadas para o alto.


— Skitty, Tail Whip para dispersar os corações! Clamperl, use o Whirpool para manter vocês duas no alto!


Quando a dupla chegou ao ponto mais alto do salto, Skitty rebateu os corações com sua cauda, fazendo com que eles se espalhassem pelo palco. Quando começaram a cair, Clamperl foi ágil ao criar um redemoinho no palco, pousando no topo da coluna d’água com a felina retornando ao topo de sua concha.


O redemoinho ao centro, com os pequenos corações flutuando em volta e a pose de Clamperl e Skitty em destaque proporcionou uma finalização elegante, que arrancou aplausos fervorosos do público. Ruby andou timidamente até o lado do redemoinho, para que não tirasse o foco de suas companheiras de equipe, e se curvou fazendo uma singela reverência em direção às arquibancadas.


Por um momento o garoto sentiu certo nervosismo para voltar sua atenção à mesa dos jurados. Ele tinha dado tudo de si para criar uma apresentação naquele tempo curto que teve para corrigir sua estratégia, mas pelo menos a plateia ele tinha conseguido agradar. Já se sentia satisfeito só por isso.


Na sala de espera a maioria dos coordenadores cochichavam sobre como a exibição dele havia sido boa. Vivi tinha um largo sorriso no rosto, eufórica com o que tinha acabado de ver. Emily, por sua vez, tinha uma expressão de espanto, e até mesmo de nervosismo vendo que Ruby tinha feito uma apresentação tão boa mesmo com todos os reveses.


Quando enfim precisou voltar sua atenção aos jurados, notou que até mesmo eles aplaudiam. Glacia e Wallace tinham expressões mais serenas, enquanto Lisia estava com um sorriso bem mais aberto.


— Foi uma apresentação maravilhosa! — A mais jovem do trio começou. — A forma como você conseguiu orquestrar os movimentos e a execução das técnicas, respeitando o tempo tanto da Skitty quanto da Clamperl, foi excelente!


— Eu tendo a concordar com a Lisia — Glacia então tomou a palavra. — Vou ainda fazer um adendo, que talvez para mim tenha sido o ponto máximo de sua apresentação. O resultado, a sua proposta para o público hoje. Você saiu do esperado, sem muito brilho, sem muitas explosões, ao invés disso focou na concepção da arte como algo mais tangível, mais alcançável e duradouro. Como se esculpir algo já não fosse difícil, manter isso com técnicas que podem se desfazer a qualquer momento é muito complexo. Exige uma capacidade de coordenadores já muito avançados, é algo que eu não esperava ver em uma disputa entre coordenadores que portam apenas uma fita. Parabéns pela ousadia.


Após os aplausos a arena ficou em silêncio, como fazia toda vez que Wallace ia dar sua opinião final. Ruby sentiu o ar faltar por um breve momento. Sua apresentação estava prestes a ser avaliada por um dos maiores ícones de todo o mundo. O jurado se levantou de sua cadeira, ajeitando a sua capa e os adornos das suas roupas. Talvez o que mais assustasse o garoto era a forma como o homem mantinha sua serenidade. Ele era totalmente ilegível.


— Eu não vou comentar sobre as técnicas da Clamperl, pois todos aqui sabem que eu sou um pouco suspeito para falar sobre Pokémons aquáticos — disse o ídolo, arrancando algumas risadas do público. — Vou fazer como a Lisia e a Glacia e focar em sua apresentação como um todo. Ruby o seu nome, não é? Eu sempre acompanho os contests de abertura, e nesse ano não foi diferente. Tive a oportunidade de ver seu desempenho em Rustboro, dividindo o pódio com o Wally e a Emily que se apresentou aqui mais cedo.


Ruby quase caiu para trás com a revelação. Wally, que assistia das arquibancadas ao lado de Sapphire, Zinnia e Wanda, engasgou com a pipoca que comia. Emily, por fim, estava no meio da sala de espera, vermelha como uma tamato berry enquanto atraía os olhares dos outros competidores.


— Lembro que à época o Frederick, a quem estou substituindo hoje, sugeriu que você recuasse um pouco para dar mais ênfase aos seus Pokémons, pois são eles que executam as apresentações que você elabora. O que eu vi aqui hoje foi um jovem coordenador que entendeu o motivo daquela crítica e fez disso o trampolim para uma evolução. Ironicamente, foi dando um passo para trás no palco que você deu um passo adiante como coordenador. E por ter dado esse destaque maior às essas adoráveis companheiras suas é que a apresentação atingiu o ápice de sua elegância. Você sai daqui hoje deixando uma lição para todos os coordenadores de que às vezes precisamos deixar nosso orgulho de lado e entender que as críticas podem nos fazer crescer se forem absorvidas com humildade e atenção. Hoje eu não tenho nenhuma crítica a fazer sobre a sua apresentação, mas eventualmente elas vão aparecer, e se você continuar tratando-as com essa mesma abordagem, seu futuro será brilhante. Parabéns pela apresentação de hoje. Estou curioso para ver até onde você pode chegar.


Os aplausos intensos ensurdeciam qualquer um presente naquela arena. O público vibrava com a apresentação de Ruby, como se estivessem deixando tudo de si agora que se sentiam livres para celebrar aquele momento, quase como se isso dependesse de algum aval dos jurados.


Ruby foi pego de surpresa. Ainda que fosse seu terceiro contest, nunca esperaria por uma ovação daquele tamanho. O garoto fez uma breve reverência para os espectadores, mais uma vez, e se retirou para a sala de espera, onde aguardaria pelo resultado.


Os minutos se passaram. O público estava apreensivo, mas ao mesmo tempo eufórico, enquanto o trio de jurados debatia à mesa o veredito que dariam dali a pouco. Harriet tentava manter a plateia entretida trazendo curiosidades sobre os contests e as grandes personalidades que sempre figuravam no Grande Festival, e certa vez chamou os comerciais na televisão para que os patrocinadores do evento pudessem ter seu espaço.


Quando a moça foi chamada à mesa dos jurados, Glacia entregou um envelope para ela, que de pronto assentiu com a cabeça e retornou ao centro da arena para anunciar que os resultados haviam chegado.


— Muito bem, caros espectadores — Harriet chamou a atenção para si ao microfone, fazendo com que as conversas na arena cessassem mais uma vez. — Nossos jurados já debateram tudo que precisavam. Aqui nas minhas mãos está a resposta deles! É com todo o prazer que vamos conhecer agora o vencedor do Contest de Verdanturf!


Uma nova onda de aplausos foi ouvida, mas esta foi mais breve. Naquela altura o público já estava ansioso pelo resultado, e não fazia mais sentido nem mesmo para a organização do evento segurar o suspense por mais tempo.


Harriet abriu o envelope, puxando apenas a parte superior do bilhete, que mostrava quem ela deveria chamar para ser a primeira pessoa a ocupar o pódio.


— O terceiro lugar deste Contest fica com Emily, da cidade de Mauville!


Todos os competidores presentes na sala de espera voltaram seus olhares para a garota, que tinha uma expressão flagrante de frustração com o seu resultado. Ela apenas respirou fundo e foi até o palco para ocupar o seu lugar no pódio. Ruby engoliu seco. Ainda que não quisesse admitir, tinha achado a apresentação de Emily muito boa. Mas nem mesmo ela foi suficiente para vencer aquele contest, então ele nem imaginava o que poderia ter passado pelas mentes dos jurados para escolher o coordenador vitorioso.


— Ocupando o segundo lugar, a nossa queridíssima garota do campo! Vivi!


Mais um choque para Ruby, que agora via as apresentações que mais acreditava ter a chance de vencer a competição não alcançarem o primeiro lugar. Vivi deu um suspiro, demonstrando que também esperava ter vencido aquela disputa, mas logo se recompôs e seguiu de volta ao palco com um sorriso no rosto, acenando para o público em retribuição aos aplausos.


O público agora aguardava em silêncio o anúncio principal. Harriet tinha um sorriso travesso estampado em seu rosto, fazendo um breve suspense para provocar o público que já dava alguns sinais de ansiedade. Wally tinha seu olhar travado no palco, e até mesmo Sapphire e Zinnia estavam atentas, esperando que o desfecho fosse positivo.


Ruby começava a transpirar na sala de espera. Observou alguns dos outros coordenadores. Alguns apreensivos, tremendo e engolindo seco. Outros, já acreditando que haviam perdido, estavam menos nervosos, mas ainda assim curiosos para saber quem havia sido o preferido da vez.


— Um dos grandes baratos de ser apresentadora aqui em Hoenn é presenciar de perto porque essa região é tão reconhecida por seus contests. Ano após ano somos privilegiados com novos talentos que chegam pedindo passagem, mostrando muita personalidade e nos inspirando com sua dedicação. Senhoras e senhores, o vencedor do Contest de Verdanturf, que agora passará a figurar nos Contests de nível R2, é Ruby, da cidade de Violet!


Os aplausos e gritos intensos da plateia eram como música para os ouvidos do garoto, que em um susto quase sentiu seus joelhos falharem. A palpitação frenética ameaçou deixá-lo sem ar, e por um breve instante sentiu a vista embaçar. Ruby sacudiu a cabeça para se recompor, e ainda com seus pensamentos embaralhados se dirigiu ao palco.


Ainda trêmulo, cumprimentou Harriet e fez uma reverência em agradecimento aos espectadores presentes. E subiu ao degrau mais alto do pódio pela segunda vez em sua carreira. Mas sentia que não ia enjoar daquilo tão cedo.


Por um momento, conseguiu passar os olhos pelas arquibancadas. Notava, pela primeira vez, pessoas que nunca havia visto antes olhando para ele e sorrindo. Pessoas de todas as idades, desde crianças com os olhos brilhando até adultos e idosos com expressões mais comovidas. Aqueles rostos, olhares e sorrisos, que antes pareciam tão distantes de serem alcançados, agora estavam bem ali, sendo entregues a ele.


— Parece que você está construindo uma torcida, Ruby! — disse Harriet, animada. — E muito merecido pelo que você nos mostrou aqui hoje. Aceite a Fita de Verdanturf, como prova da sua vitória de hoje!



Um membro do staff do torneio trouxe até o palco a fita em um estojo almofadado. Ruby pegou a fita com cuidado quando foi autorizado, e a mostrou para a plateia, que o aplaudia bastante.


• • •

Quando Ruby saiu do seu camarim, Sapphire e Wally o aguardavam no corredor. Assim que notou a presença dos amigos no local, ele foi recebido com a euforia habitual de Sapphire, enquanto Wally se mantinha mais comedido.


— Parabéns pela vitória, Ruby — disse Wally tocando no ombro do amigo. — Parece que vamos ficar mais um tempo sem nos enfrentar, mas eu estou feliz que você esteja avançando tão rápido. Mais três fitas e sua vaga no Grande Festival já estará garantida!


— Você teve que refazer seu planejamento em pouquíssimo tempo, e mesmo assim conseguiu vencer. Você foi bem, de verdade! — Sapphire complementou.


— Eu vou me esforçar para conseguir minha primeira fita logo, e assim vou poder competir contra você de novo em breve!


— Obrigado, pessoal — disse o menino, sentindo um enorme peso sair de seus ombros ao passo que a adrenalina ia baixando. — E a Zinnia? Cadê ela?


— A Zinnia precisou sair do Contest Hall pra ver alguma coisa, mas disse que encontra a gente mais tarde na casa do Wally. Ela falou que era pra gente vir aqui ver como você estava, mas pediu pra dizer que ela gostou muito da sua apresentação e que você foi muito bem apesar do pouco tempo pra se preparar.


— E disse também que ela sentiu que a sua ligação com seus Pokémons está melhorando — Wally parecia meio confuso com aquela informação. — Seja lá o que isso significa...


Quando se preparavam para ir embora, Ruby ouviu seu nome ser chamado. Olhou para o final do corredor e percebeu que Lisia estava na porta do camarim dela. O garoto notou que havia mais alguém dentro do cômodo, mas respirou fundo e caminhou até a jurada que o aguardava com um sorriso no rosto. Sapphire e Wally o acompanharam.


— Li-Lisia! Tudo bem? — o menino gaguejava e tremia, como se estivesse para enfrentar o maior desafio de sua vida. A idolatria pela garota era tamanha que ele mal conseguia formular uma frase.


— Ei, Ruby, que bom te ver de novo! — a garota demonstrava a mesma simpatia de sempre. — Desde que o Ethan nos apresentou eu decidi ficar de olho em você. E olha, eu estou impressionada com o seu progresso! Além da sua apresentação ter sido maravilhosa, eu consegui sentir que sua parceria com seus Pokémons tem crescido.


— Sério? — o garoto coçava a parte de trás da cabeça, ainda sem graça. — Muito obrigado! Sobre a apresentação, eu fico muito feliz de ter conseguido agradar vocês dessa vez, mas vou me esforçar pra poder continuar te surpreendendo nas próximas.


— Lisia — Sapphire interrompeu a conversa dos dois, erguendo o braço para chamar a atenção. — O Ruby só teve três dias para praticar a apresentação porque ele não sabia que a apresentação seria em duplas. Se a gente considerar que ele teve pouco tempo, então foi um feito muito grande, não é?


Ruby gelou naquele momento. Wally também ficou constrangido. Eles sabiam que Sapphire estava tentando ajudar o amigo, mas aquele tipo de comentário sendo feito para uma jurada poderia ter resultado em uma reação bem pior por parte de Lisia. Por sorte, a garota levou a situação de forma bem humorada.


— Fala sério, Ruby! Você não deu um mole desse — Lisia ria, se divertindo com a situação. — Olha, esses enganos acontecem, mas cuidado para que isso não se repita. Não que eu tenha alguma coisa a ver com isso, mas esse tipo de coisa te prejudica muito nas apresentações, e se isso se torna recorrente você pode ter dificuldade de conseguir patrocinadores ou ser bem agenciado por acharem que você não tem compromisso. Nós temos vários canais onde você pode ter as informações dos seus próximos contests, lá você tem acesso a tudo que precisa. Não deixa isso acontecer de novo. Pelo seu próprio bem, ok? Você tem muito potencial, e eu não gostaria de ver alguém tão promissor perdendo uma classificação para o Grande Festival por causa de desatenção.


— Prometo que não vai mais ocorrer. O meu resultado hoje foi suficiente pra eu aprender a lição.


— Muito bom! E mesmo assim, como a sua amiga disse, é realmente impressionante que você tenha conseguido fazer uma apresentação tão incrível mesmo com esse tempo de preparo tão curto — a jurada deu um sorriso, colocando as mãos na cintura. — Mas vamos ao que interessa. Eu te chamei aqui pra te apresentar uma pessoa que também se interessou por você.


Ruby foi pego de surpresa naquele momento. De início, ele pensou que Lisia poderia apresentá-lo a algum agente ou patrocinador que pudesse ajudar o garoto a alavancar a sua imagem na mídia, mas logo se lembrou que esse tipo de intermediação era uma prática proibida aos jurados de contests por questões éticas. Ele então ficou curioso, até que a mais velha chamou a pessoa que estava dentro do camarim.


— Tio, vem aqui falar com ele!


“Tio”, uma palavra que deixou Ruby um pouco confuso. O tio de Lisia? Quem poderia ser? O garoto se pegou tentando adivinhar, mas logo o tempo se esgotou quando a pessoa em questão apareceu pela porta, arrancando qualquer resquício de ar de dentro dos três mais novos.


Wally ficou de boca aberta. Sapphire quase caiu para trás. E Ruby, por sua vez, ficou paralisado, sem conseguir reagir diante daquela presença. A aparição imponente, elegante e ao mesmo tempo esmagadora só despertou o trio mais jovem de seu transe quando a voz melódica os cumprimentou com sua serenidade característica.


— Olá a todos — o homem então se virou para o coordenador. — Especialmente a você, Ruby. Muito prazer, minha sobrinha Lisia já tinha me contado sobre você antes deste contest.


Wallace estendeu a mão para Ruby. Graças ao seu estado de alerta constante e ao seu subconsciente que funcionava de forma automática para evitar colocar o garoto em situações de constrangimento ele conseguiu responder o cumprimento do ex-Campeão.


— Eu não acredito que estou tendo a oportunidade de te conhecer — o garoto tentava conter sua voz, prestes a embargar. — De verdade mesmo.


— E eu fico igualmente feliz de ver novos talentos surgindo. Tenho certeza de que vocês vão conseguir manter a tradição de Hoenn de apresentar ótimos coordenadores ao mundo. Lisia já tinha me mostrado o seu desempenho em Slateport e eu gostei muito — Wallace então se virou para Wally. — E o mesmo vale para você. A batalha entre vocês dois foi esplêndida! Continuem se dedicando assim que eu tenho certeza de que vocês ainda vão nos mostrar coisas incríveis!


— Assino embaixo — disse Lisia.


A única que permanecia ali sem ainda ter sido abordada pelo astro era Sapphire, mas não durou muito até que Wallace voltasse sua atenção para ela.


— E você é a Sapphire, certo? — o homem perguntou, deixando a garota inquieta. — Eu e a Lisia estivemos com o Ethan há pouco tempo e ele comentou sobre você também. Se tudo o que ele disse for verdade, então eu mal posso esperar para ver uma batalha sua.


Sapphire não conseguia nem pensar numa resposta adequada. Ela já estava surpresa o bastante por estar presente no mesmo lugar que o ex-Campeão, e naquele momento ele estava falando com a garota. Ela foi tomada por um surto de ansiedade, sentia seu corpo inteiro tremendo, e ao tentar abrir a boca a voz falhava.


A menina respirou fundo, tentando se recompor, mas era em vão. Em meio àquele nervosismo, a pressão vinda dela própria que tentava se obrigar a falar algo rápido para não deixar Wallace esperando, foi o que causou a resposta mais aleatória e sem noção que a garota poderia dar, se enchendo de uma falsa coragem tão absurda que nem mesmo ela acreditou no que havia dito.


— Se-se quer ver uma... B-batalha minha, a gente pode batalhar agora!


O silêncio tomou conta do corredor. Wallace e Lisia pareciam ainda não ter assimilado o que acabara de ocorrer, enquanto Ruby estava pálido e Wally assustado. Até mesmo Sapphire sentiu uma hesitação breve, ainda que tentasse manter a compostura depois de perceber a besteira que tinha feito.


— Ela acabou de desafiar o Wallace pra uma batalha? — Wally perguntou cochichando no ouvido de Ruby.


— Wally, a Sapphire quando nasceu não levou palmada, ela foi arremessada na parede — o coordenador respondeu. — Ela tem uns três parafusos a menos.


O constrangimento foi quebrado com o próprio Wallace, que respondeu àquela situação com um riso bem discreto. Sapphire por um instante se perguntava se ele estava encarando aquela situação como uma piada, mas a resposta do ex-Campeão foi bem melhor do que ela esperava.


— Perdão por ter achado graça da situação, é que realmente eu não estava esperando por isso — disse o homem levando a mão ao peito em um gesto de cortesia. — Faz tempo que não recebo um desafio assim desse jeito. Mas infelizmente eu não estou em condições de aceitar, ainda que eu não faça mais parte da Elite 4.


Wallace, no entanto, olhou fixo para Sapphire por mais alguns instantes. Ele tinha uma expressão enigmática em seu rosto, com um sorriso que dava um tom de curiosidade. Era como se ele estivesse gravando bem o rosto daquela treinadora na sua memória.


— Façamos o seguinte — disse ele. — Estou tirando um tempo de férias depois de ter saído da Liga. Não pretendo fazer mais nada até o fim da temporada além de ser jurado em alguns contests e no Grande Festival. Por isso na maior parte do tempo eu estarei em minha casa em Sootopolis. Você certamente terá que ir até lá em algum momento para desafiar o ginásio. Quando chegar é só me procurar. As pessoas da cidade sabem onde eu moro. E aí eu vou poder ver o quanto você progrediu. Certo?


— Certo... — Sapphire respondeu, já no modo automático.


— Então estamos combinados. Treine bastante até lá. Eu posso não estar competindo no momento, mas estou muito longe de estar parado. Agora vou pedir licença para terminar de organizar minhas coisas, pois preciso partir.


Wallace finalizou a conversa com mais um gesto cortês.


— Foi um prazer conhecer vocês pessoalmente. Até breve.


O homem então voltou para dentro do camarim. Lisia deu uma piscada para os mais jovens, fazendo um sinal de “V” na frente dos olhos.


— Até qualquer dia, gente! Ruby, continue praticando. Wally, conquiste logo sua primeira fita. Quero ver os dois brilhando lá no Grande Festival. Bye bye!


Assim que os três ficaram sozinhos no corredor, o centro das atenções não poderia ser outro, senão Sapphire. A menina tentava disfarçar o constrangimento, mas seu rosto vermelho entregava tudo.


— Desafiar o Wallace, quem diria! — Ruby tinha as mãos na cintura, com um sorriso triunfante. — De todas as ideias suicidas que você já teve, essa está entre as piores. Mas vou ser sincero, eu pagaria pra ver.


— Ruby, deixa disso! — Wally chamou a atenção do amigo. — Eu admiro a sua coragem, Sapphire. Eu jamais teria conseguido desafiar o Wallace como você fez aqui e agora. Realmente, para melhorarmos precisamos desafiar quem é mais forte que nós. Acho que vou tomar isso como um conselho.


— Meninos, vamos mudar de assunto? — a garota implorava, tapando o rosto com a mão para não ser vista naquele estado.


Após aquele encontro inesperado, o trio voltou para a casa da família de Wally, onde passaria mais uma noite antes de seguir jornada rumo à cidade de Lavaridge. Pouco tempo depois, Zinnia também reapareceu, mas desconversou quando perguntada sobre o que tinha ido resolver.


Ruby agora era um coordenador possuidor de duas fitas, dando mais um grande passo para sua qualificação para o Grande Festival. Um contest que mostrou muito mais sobre o que aquele menino era capaz além de seu próprio talento para coordenar. Fallarbor seria seu próximo desafio, onde esperava enfim superar a primeira metade de sua escalada. Mas o garoto deixaria para se preocupar com isso depois. Naquele momento, só queria deitar a cabeça no travesseiro e aproveitar aquele raro momento onde se sentia no topo do mundo.


FIM DO CAPÍTULO 35

  


Notas do Autor - Capítulo 34

 


Agora sim, estamos oficialmente em Verdanturf! Olha, sendo bem sincero a ideia pra esse capítulo veio do mais absoluto nada, mas foi muito importante trazê-lo aqui porque é nele que começaremos a apresentar algumas coisas a mais do background do Ruby. E eu não tinha nem ideia de quando eu ia começar a tocar nesses pontos. Mas agora demos a partida, e estamos com caminho aberto para desenvolver essa parte.

Estamos chegando ao terceiro contest de AEH. Sempre esses benditos me dando trabalho, mas até que esse correu bem mais rápido do que o de costume. Veremos como o Ruby se sai, ainda mais agora com ele sabendo que a modalidade de apresentação será totalmente diferente do que ele esperava kkkkkkkk

No mais, queria trazer um pouco mais do Wally na história. Quando falamos de Verdanturf, pensamos logo nele. É sempre bom aproveitar essas oportunidades pra trabalhar esses personagens secundários, ainda mais que o Wally tem um passado como amigo de infância do Ruby.

Acho que por hoje é isso. Tô meio baqueado de saúde, então me perdoem se as notas estiverem confusas de entender. Foi difícil manter o raciocínio kkkkkkk Mas espero que se divirtam com este capítulo, é um dos que eu mais estava querendo postar.

Até breve! õ/


Capítulo 34

 A lacuna que nunca se completa


— Como é possível uma cidade na encosta de um vulcão ativo ser tão bonita?


Ruby estava boquiaberto com a beleza de Verdanturf, a cidade onde disputaria seu próximo Contest para tentar garantir mais uma fita. Logo que passou pelo pórtico de entrada, o trio foi surpreendido com a simplicidade do local. As pequenas ruas ladrilhadas margeadas por casas simples com belas fachadas, os fartos canteiros de flores, árvores e outras plantas espalhados ao longo dessas mesmas ruas, dividindo-as na área principal que dava para uma praça com um chafariz ao centro que tinha esculturas da linha evolutiva da Roselia. Esta praça era um ponto movimentado da cidade, pois dali se tinha fácil acesso a todos os lugares importantes, desde o Centro Pokémon, às áreas residenciais e até mesmo ao Contest Hall.


— Bem, o solo vulcânico é bem fértil — Sapphire observou. — Não é surpresa que as plantas daqui sejam tão vivas. O ar puro também ajuda.


— Mas é justamente sobre o ar que eu estou falando! Tem um vulcão em cima de nós, como isso aqui não está debaixo de um manto de cinzas? — o garoto ainda parecia confuso.


— Porque nessa região quase sempre o vento sopra pro norte — disse Zinnia. — É muito raro ele mudar de direção, então o manto de cinzas acaba indo todo pras rotas que ficam na outra encosta da montanha. Que inclusive já passei por lá, e vocês têm que ver aquilo ali um dia. É um lugar lindo! Apesar de não ser legal ficar lá por muito tempo respirando aquelas cinzas...


— Bom, eu tenho que ir até Fallarbor para disputar o Contest depois desse, então vamos passar por lá de qualquer jeito. Será que deveríamos levar máscaras para respirar melhor?


— Não precisa, a rota é bem curta. Desde que a exposição não seja prolongada a gente vai passar por lá sem problemas. E a própria limpeza pública de Fallarbor se encarrega de remover as cinzas que caem por lá, então a cidade está sempre limpa.


— A gente pode pensar em Fallarbor depois, acho que o melhor a fazer agora é reservar os quartos no Centro Pokémon — disse Sapphire. — Sempre que tem algum Contest pra acontecer os quartos lotam muito rápido.


— Tem razão — Ruby assentiu com a cabeça. — Vamos fazer o check-in, depois comer alguma coisa, e aí vamos ter tempo para conhecer mais a cidade.


Pois foi durante a caminhada para o Centro Pokémon que Ruby cruzou com uma pessoa já conhecida na rua, mas que pela expressão do garoto não era bem o encontro que ele gostaria de ter naquela tarde.


— Ora ora ora, veio assistir um Contest de rank mais alto pra tentar aprender alguma coisa? — o tom debochado da menina era o que mais incomodava Ruby.


— Vim competir, não que isso seja da sua conta — Ruby foi quem deu um sorriso debochado em seguida. — Mas e você, Emily? Está aqui porque não conseguiu vencer um Contest desse nível ainda? Não, não pode ser. Você que é o grande talento da nova geração não teria dificuldades só com isso. Com certeza deve estar tirando férias. Mas cuidado pra não relaxar demais, ou o prazo pra conseguir as fitas pro Grande Festival pode acabar se esgotando!


Emily fechou a cara quase que de imediato. Já era a segunda vez que Ruby a vencia nessa competição não oficial de deboche que os dois travavam desde que se conheceram, ainda em Rustboro. Pior ainda foi perceber que Sapphire, logo atrás do garoto, virou o rosto pro lado pra não demonstrar que estava segurando o riso.


— Ainda não competi nesse rank porque achei que seria de bom senso me preparar melhor antes. Mas vamos ver se esse seu sorrisinho tosco vai continuar quando você for varrido lá — Emily tinha um tom ríspido na voz. — Eu não quero nem imaginar a tragédia que vai ser a apresentação de um rei da cafonice que nem você em uma apresentação em duplas.


Ruby travou por um breve momento, quase deixou transparecer uma expressão de surpresa, mas já tinha sido o suficiente para Emily perceber que aquela informação era nova para o menino.


— Ruby, você sabe que os Contests de Verdanturf são apresentações em duplas, não sabe? — a garota tinha um sorriso triunfante.


— M-mas é claro que eu sei! Como se eu fosse deixar passar uma informação tão importante dessa — o garoto gesticulava histérico tentando convencer a rival de que ele dizia a verdade, mas sequer conseguia olhar na cara dela. — Não tem como eu cometer um erro de amador como este!


— Claro que não, eu sei que você jamais cometeria um deslize como esse. Logo você, que é um coordenador tão talentoso e promissor — agora era Emily quem havia tomado o controle da troca de farpas. — Estou ansiosa pra ver a sua apresentação, tenho certeza que ela vai me divertir muito. Boa sorte, fofo!


A última piscada da garota foi o golpe de misericórdia pra deixar Ruby bufando de raiva. Ele tinha praticado as apresentações de forma exaustiva, para só a poucos dias do concurso descobrir que deveria refazer o planejamento do zero.


— Se você sabia que o Contest era em duplas, por que treinou cada um individualmente? — Sapphire perguntou de forma inocente.


— Não sei, Sapphire. Vai ver é porque eu sou burro. É só por isso — Ruby deu um tapa na própria testa, e a mão foi descendo o rosto enquanto a sua vontade era de enfiar a cabeça em um buraco e nunca mais sair dali de dentro.


Os três chegaram ao Centro Pokémon, e como previsto por Sapphire o lugar estava abarrotado de gente. Eles mal tinham espaço para andar pelo saguão, já que além do trânsito habitual de viajantes que usavam o Túnel Rusturf para pegar uma rota mais rápida de Rustboro até Mauville, agora tinham que lidar com a leva de coordenadores que competiriam no final de semana.


Ruby estava começando a ficar com dor de cabeça por causa do falatório de dezenas de pessoas ao mesmo tempo, de um modo que não conseguia colocar a cabeça pra pensar. Zinnia e Sapphire já estavam atentas às pessoas que trabalhavam no local. Além das enfermeiras e seus Pokémons assistentes estarem trabalhando em um ritmo frenético que nem ao menos lhes permitia esconder a expressão de sobrecarga atrás daquele sorriso habitual que sempre tinham, a recepção da hospedaria também estava com uma fila enorme, tal como o refeitório.


— Eu estou com um mal pressentimento — Ruby comentou, analisando a situação.


— Um minuto da atenção de todos, por favor — uma das enfermeiras começou a falar usando o microfone do balcão de recepção para superar o volume da multidão. — Gostaria de lembrar a todos que estamos em um ambiente com uma ala hospitalar, então pedimos que todos colaborem para diminuir o barulho para não atrapalhar o descanso e a recuperação dos pacientes. Acredito que a maioria aqui são treinadores, e não gostariam de ver algo assim acontecendo a seus Pokémons companheiros.


Pela primeira vez desde que entraram no prédio, Ruby, Sapphire e Zinnia sentiram a barulheira cessar um pouco. Ainda havia conversas baixas, mas pelo menos dessa vez os três já conseguiam ouvir seus próprios pensamentos de novo. A enfermeira, por sua vez, continuou com o comunicado.


— Também temos mais uma coisa a dizer. Não é do nosso agrado ter que dar este tipo de aviso, mas infelizmente todos os quartos da hospedaria já estão ocupados. Aqueles que não conseguiram fazer uma reserva infelizmente terão que procurar vagas nas pousadas da cidade. No entanto, ainda podem continuar vigiando a nossa lista de vacância para o caso de algum quarto ser liberado — mais uma vez o falatório começou a subir o volume, e agora com algumas reclamações de pessoas na fila para reservas. — Por favor, contamos com a compreensão de todos!


O grupo saiu desolado da clínica. Os três pareciam não ter rumo naquele momento, e Ruby era quem mais expressava preocupação. Sem um lugar confortável para passar as noites não seria possível descansar o suficiente para ter um bom desempenho no Contest.


Voltaram para a praça e se sentaram em um dos bancos que rodeava o chafariz para tentar improvisar uma solução de última hora.


— O jeito é procurar uma pousada — disse Sapphire. — O quanto isso vai impactar as nossas economias?


— O suficiente para passarmos aperto durante algumas semanas — Ruby respondeu. — Se dermos sorte ainda conseguimos um quarto para grupo, que deve sair mais barato do que se sobrarem só os individuais.


Largados naquele banco e sem saber o que fazer, os viajantes pareciam esperar por um milagre agora que as opções estavam ficando mais restritas. Sapphire estava frustrada, até abriu um pacote de salgadinhos para tentar se acalmar. Zinnia cruzou as pernas e procurou relaxar enquanto pensava em uma saída. Ruby era o mais frustrado. O garoto só queria um descanso, não era pedir demais. Mas não tinha nem um lugar pra tomar um banho.


A aura derrotada do trio chamou a atenção de uma moça que passava pelas redondezas. Aparentando ter a mesma idade de Zinnia, ela carregava em um dos braços uma sacola de compras com alguns mantimentos, enquanto a outra mão tentava impedir que o vento jogasse a franja dos seus cabelos esverdeados na frente dos olhos. Ela passou os olhos em cada um dos três, e só parou quando percebeu o garoto que estava ali sentado.


— Ruby? É você?


Sapphire e Zinnia na mesma hora viraram para o menino, se perguntando de onde ele e aquela moça se conheciam. O garoto assim que levantou a cabeça para ver quem havia chamado seu nome teve uma surpresa ao ver que se tratava de uma velha conhecida.


— Wanda?


— Ruby! Eu não acredito que você está aqui em Verdanturf! Desde quando você chegou? — a moça parecia bastante animada com a presença do menino.


— Chegamos hoje cedo, eu e as meninas — Ruby então notou a expressão confusa de suas companheiras de viagem, antes de perceber o equívoco que havia cometido. — Ah, claro! Vou apresentar vocês. Estas são Sapphire e Zinnia, estão viajando comigo. Meninas, esta é Wanda, uma conhecida minha desde a infância. Sapphire, ela é a irmã mais velha do Wally.


— Ah, claro! Bem que eu estava achando você familiar — disse a menina, estendendo a mão. — Prazer em te conhecer.


— Então você já conhece meu irmãozinho também? Então, Ruby, o Wally nos disse que tinha te encontrado algumas vezes durante a jornada dele, e que estavam competindo nos Contests. Ele vai ficar feliz em te ver.


— O Wally está aqui em Verdanturf? — indagou Ruby.


— Sim, como Verdanturf é caminho pra onde ele vai, ele resolveu parar aqui durante o fim de semana pra assistir o Contest imaginando que você viria. Ele deve estar treinando por aí, então por que vocês não me acompanham até lá em casa? Ele saiu bem cedo hoje, então daqui a pouco deve estar chegando também.


— Eu adoraria poder rever o pessoal depois de anos, mas primeiro temos que procurar uma pousada e fazer uma reserva — disse Ruby. — Não achei que a cidade estaria tão cheia esse fim de semana, então acabamos não vindo pra cá com muita pressa.


— Então vocês não conseguiram vaga no Centro Pokémon? — Wanda questionou com tom de preocupação na voz. — Nem pensar que vocês vão pagar pra ficar em uma das pousadas daqui. Esse fim de semana elas estão cobrando caro por causa do Contest! Venham comigo. Tenho certeza que meus pais vão deixar vocês ficarem lá em casa. Temos um quarto de hóspedes com duas camas, as meninas podem ficar lá, e você dorme com o Wally no quarto dele, que tem um colchão extra.


— Obrigado, Wanda! Você salvou a gente de verdade! — Ruby balançava a mão da mulher em um misto de euforia e alívio.


— Imagina! Você sempre foi um grande amigo pro Wally, não tem como a gente deixar você numa situação difícil. Quer dizer, a única situação difícil pra você vai ser dormir junto com o Wally. Você lembra que sempre que você ia dormir na nossa casa ele ficava tagarelando até tarde, né?


Aliviados com o convite, o trio seguiu Wanda até a residência da família de Wally. Agora teriam um lugar onde passar as noites durante a estadia em Verdanturf, ou seja, um problema a menos para resolver.


• • •


— Ruby, estamos muito felizes em ver você — a mãe de Wally e Wanda sorria enquanto retirava as compras das sacolas. — Quando você estiver com sua família de novo, diga que eu mandei um abraço e que eles estão convidados pra vir aqui quando quiserem.


— Eu acho meio difícil eles virem, porque meu pai teria que se ausentar do ginásio, mas se tiverem a oportunidade de aparecer lá em Petalburg eu tenho certeza que eles vão adorar ver vocês — comentou o menino.


Todos já estavam na cozinha. As compras frescas seriam utilizadas justamente para o almoço que a família estava preparando. Zinnia não pôde deixar de notar como os produtos estavam bem cuidados.


— As verduras e as frutas estão muito bonitas — disse a draconid, sem tirar os olhos das tamato berries quase reluzentes que estavam sobre a mesa.


— Aqui em Verdanturf sempre tem uma feira organizada pelos pequenos produtores que aproveitam a fertilidade das terras próximas ao Monte Chimney para plantar — explicou Wanda. — Tivemos muita sorte de escolher viver aqui, nós nem sabíamos disso. E se você gostou da aparência, espere só até provar o sabor!


— Então quer dizer que vocês dois são os rivais do Wally na jornada dele? — o pai do garoto puxou conversa com os mais novos enquanto dobrava o jornal que esteve lendo até então. — O Ruby dispensa apresentações, ele já é de casa. Mas quanto a você, Sapphire, o Wally disse que você parece ser uma ótima treinadora.


— Eu não diria que eu estou com essa moral toda — a menina coçava a parte de trás da cabeça com um sorriso sem jeito. — Mas eu estou fazendo o melhor que posso pra chegar nesse nível. E sobre o seu filho, eu ainda não vi como ele batalha, mas tive a oportunidade de assistir a apresentação dele em dois contests, e foi impressionante. Se ele batalhar tão bem quanto se apresenta, então eu é que vou ter que começar a treinar mais.


— Eu não sei se o Ruby chegou a comentar sobre isso com vocês, mas o Wally tinha um problema grave de asma quando era mais novo — disse a mãe do garoto enquanto começava a cortar os legumes. — Ele era muito debilitado quando criança, porque ele não podia fazer esforço físico que já entrava em crise.


— Acho que eu ouvi o Ruby e o Wally comentando algo por cima quando nos encontramos em Rustboro — Sapphire comentou.


— Foi por isso que viemos para Verdanturf. O ar aqui é mais puro, mesmo Violet não sendo uma metrópole, ainda tinha um grau de poluição que prejudicava muito uma pessoa frágil como o Wally era.


— E ficamos impressionados quando ele voltou pra casa essa semana — disse o pai. — Ele está bem mais forte agora.


Coincidência ou não, naquele momento em que todos falavam do garoto um barulho foi ouvido vindo da entrada da casa. O som da fechadura da porta sendo acionada marcava a chegada de mais alguém. Os passos foram ficando mais altos na medida em que a presença se aproximava da cozinha, e quando Wally adentrou o local sua expressão foi de surpresa ao ver que tinha visitas.


— Ruby, Sapphire! Finalmente vocês chegaram!


— Você falando assim até parece que combinamos de nos encontrar aqui — disse o garoto rindo.


— Eu sabia que você ia aparecer, por isso fiquei aqui para ver o contest. Nós não nos vemos desde Slateport, precisamos colocar a conversa em dia.


Wally levou todos até seu quarto. Ruby entrou como se estivesse na própria casa, tamanha era a sua intimidade com o garoto. Zinnia pediu licença antes de seguir os dois e Sapphire foi quem estranhou um pouco estar entrando no quarto de um garoto, ainda que soubesse que não vinha nenhum tipo de maldade de Wally.


Aos poucos a conversa foi se desenrolando. Ruby e Sapphire contaram a ele sobre as coisas que aconteceram após Slateport, desde as revelações envolvendo Miriam, a separação do grupo, os ocorridos em Mauville e a chegada de Zinnia.


— E por que você veio pra cá? — questionou Sapphire.


— Bom, depois de Slateport eu fui pra Dewford, porque ainda não tinha enfrentado o ginásio de lá — contou o garoto. — Depois que consegui a insígnia de lá eu queria voltar e tentar de novo o contest de Slateport, mas ainda vai levar mais uma semana pra ele acontecer de novo. Então eu fiz mais algumas sessões de treino com o Brawly na Caverna de Granito para fortalecer a minha equipe. Fiz o caminho por Rustboro pra já eliminar uma parada que eu teria que fazer de qualquer jeito. Reconhece isso aqui, Ruby?


Wally estendeu a mão fechada para seu amigo. Quando Ruby abriu a mão, o outro deixou cair um pequeno brasão metálico que o garoto reconheceu logo de cara.


— Essa insígnia! — Ruby olhou chocado para o amigo. — Wally, você derrotou o meu pai! Isso é incrível!


— Eu quase me matei pra vencer essa batalha, mas de alguma forma eu consegui — o menino riu. — O Wally do passado nunca acreditaria se eu dissesse que um dia ele iria vencer uma batalha contra o tio Norman.


— Essa é a insígnia do ginásio de Petalburg? — Sapphire olhou fixo para o objeto. — Legal, eu quero uma também.


— Ganha do meu pai que você consegue a sua — disse Ruby. — Mas já vou avisando, batalhar contra ele é pesado.


— A velha fama dos líderes do tipo Normal, não é mesmo? — Wally riu, fazendo com que imediatamente ele e Ruby se lembrassem da infame Whitney e sua Miltank no ginásio de Goldenrod.


— Pelo menos o meu pai não tem uma Miltank, né?


— Não sei se isso é uma boa notícia como parece, porque aquele Slaking é tão impiedoso quanto.


— É, o Shogun é assustador mesmo...


— Vocês estão me dizendo que o pai do Ruby usa um Slaking no ginásio dele. É isso mesmo? — Sapphire indagou, já demonstrando nervosismo por conhecer a fama ruim daquela espécie.


— É, querida... Boa sorte, viu? — disse Zinnia enquanto mascava um chiclete.


O tempo passou e o almoço ficou pronto. Por sorte a família de Wally sempre comprava os mantimentos em maior quantidade, e assim não foram surpreendidos pela chegada repentina das visitas.


Como Wanda disse mais cedo, o sabor dado pelos ingredientes comprados por eles era muito melhor do que qualquer coisa que eles já tinham comido antes. Resultado de um ótimo trabalho de cultivo e também de preparo.


— Ei, Sapphire — Wally chamou a atenção da menina. — Quantas insígnias você já tem?


— Ainda estou com três, só batalhei em Rustboro, Dewford e Mauville. Depois que a gente sair de Verdanturf vou desafiar o ginásio de Lavaridge.


— Ué, então eu te passei? Eu estou com quatro insígnias! Mauville, Dewford, Rustboro e Petalburg.


— Você está fazendo as coisas bem rápido então — Ruby comentou. — Se acalma um pouco, aproveita esse fim de semana que você vai ficar por aqui e descansa. Senão vai acabar sobrecarregando você e seu time. Ainda mais porque vocês estão disputando os contests enquanto desafiam os ginásios da Liga.


— Eu sei, é que depois que treinei com o Brawly lá em Dewford eu senti que fiquei mais resistente, quase como se a minha asma tivesse ido embora. Isso me deu uma sensação de liberdade que nunca achei que eu ia ter, então acho que acabei me empolgando um pouco.


Ruby sorriu. Ele estava verdadeiramente feliz por ver que seu amigo parecia estar finalmente se libertando daquela doença horrível que por tanto tempo o privou de viver como um garoto normal.


— Sapphire, quando vocês estiverem indo embora de Verdanturf o que me diz de batalharmos? Queria testar meu time contra o seu.


Sapphire se viu surpresa com o desafio repentino, mas sua determinação logo subiu. Um sorriso se fez em seu rosto, já que havia recebido o tipo de convite que para ela era irrecusável.


— Uma batalha contra um treinador que tem quatro insígnias vai ser bom pra me preparar pro próximo ginásio — disse a menina. — Vamos, com certeza!


— Ok, vocês podem batalhar o quanto quiser, mas pelo menos se alimentem bem porque saco vazio não para em pé — disse Wanda, incentivando os mais novos a terminarem de comer antes que a refeição esfriasse.


O comentário de Wanda arrancou algumas risadas, principalmente de Wally. Os dois estavam sentados lado a lado, e tinham entre si uma sintonia muito forte e positiva. Sapphire percebeu que Ruby sorria ao olhar pra eles, mas quando parou para prestar mais atenção percebeu que havia algo naquele sorriso. Algo diferente do último que ele deu poucos minutos antes. Este último vinha acompanhado de uma carga melancólica que causava estranheza na garota. Era como se Ruby tentasse criar uma cortina por fora para esconder seu interior, que parecia estar sufocando.


Após o almoço os quatro viajantes saíram para apreciar mais a cidade. Wally os levava até os pontos que achava mais interessantes. Verdanturf, apesar de pequena, possuía vários pontos interessantes para quem gostaria de um fim de semana sossegado em uma cidade pequena. A praça bem arborizada, sorveterias, cafés, mais do que se podia imaginar em uma cidade daquele tamanho.


Wally explicava que após a construção do Contest Hall na cidade o comércio começou a se desenvolver, pegando embalo no movimento que lá se criava durante a temporada de contests. E por serem de rank 1 já não se tratava de contests do nível mais baixo, uma vez que ali só participavam aqueles coordenadores que já haviam conquistado uma fita, subindo assim o nível das competições e atraindo mais espectadores que não estavam dispostos a ver coordenadores inexperientes cometendo erros bobos.


A noite então chegou, e todos já estavam de volta à casa de Wally. Como sugerido por Wanda, Sapphire e Zinnia foram para o quarto de hóspedes. Ruby foi junto com Wally para o quarto do amigo. Ele já estava vestido para dormir com uma regata e uma bermuda, sendo situada no vasto planalto conhecido como a Região das Terras Altas de Hoenn e na encosta de uma montanha, Verdanturf era uma cidade quente, e naquele dia específico fazia um calor um pouco mais forte que o habitual.


Os dois deitaram para dormir. Ruby estranhou o fato de Wally não ter puxado assunto, pois era o que sempre fazia quando um ia dormir na casa do outro nos tempos de escola. Talvez o dia seguinte dele seria corrido, quem sabe? Mas não durou muito até que o menino falasse algo.


— Ei, Ruby.


— Sim?


— A Sapphire é forte? — Ruby não conseguia ver, mas Wally sorria olhando para o teto, como se já estivesse imaginando o confronto que teria contra a rival.


Ruby parou para refletir sobre a amiga. Ele que tinha acompanhado sua evolução desde que saíram juntos em jornada, então ele poderia dar alguma resposta ao garoto que pudesse saciar sua curiosidade.


— É sim. Bastante. Nós dois batalhamos uns dias atrás em um treino. Se não tivéssemos sido interrompidos ela ia limpar o chão com a minha cara.


— Caramba, mas a diferença é tanto assim? Você me venceu no Contest de Slateport, e já é bom em batalhas. Ela então deve ser realmente forte.


— Era um tipo muito específico de batalha que tivemos em Slateport, e mesmo assim eu venci por muito pouco. Você já tem quatro insígnias, Wally. Se batalhássemos hoje eu não teria chance.


— Eu só concordo porque você não treina para batalhas. Seu time é muito focado em contests. Mas você era talentoso quando seu pai nos deixava usar alguns Pokémons pra batalhar lá nas rotas perto de Violet. Eu tenho certeza que se você começasse a treinar pra valer poderia até ir pra Liga. Imagine só: eu, você e Sapphire disputando a Liga! E se caíssemos os três no mesmo grupo? Teríamos a chance de batalhar entre nós valendo tudo ou nada!


— Wally, eu acho que você está viajando demais — Ruby deu um riso. — Eu até tinha interesse em batalhas, mas os contests são importantes pra mim.


Wally respirou fundo. Sabia que não ia conseguir convencer o amigo cabeça-dura. Mesmo assim sorriu e se virou para dormir. E ele já entendia a razão pela qual Ruby era tão obcecado em ser coordenador.


— Você ainda sente falta da Eliza, não é? — Wally perguntou.


— Não tem como esconder nada de você, não é? — Ruby encarou seu parceiro de quarto, seu semblante agora era de tristeza. — Sim, eu quero continuar o legado dela. Eu não posso simplesmente me permitir focar em outra coisa e correr o risco de perder desempenho neles. Diferente de você eu sou péssimo em fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo.


Um breve silêncio se fez presente no quarto. Nenhum dos dois sabia o que dizer ao certo. Wally, no entanto, não se sentia constrangido. Ele gostava quando Ruby conseguia se abrir mais um pouco, pois desde o dia que Eliza se foi ele não conseguia se permitir alcançar o mundo exterior.


— Que merda... — o visitante murmurou, se tapando com o lençol que usaria para se cobrir, como se tentasse se esconder de alguma coisa.


— Você que sabe, eu não vou te forçar a nada. Mas eu gostaria muito de te ver batalhando a sério algum dia. Só pra ver até onde vai a sua capacidade. Até lá, seja o melhor coordenador que puder, pela Eliza.


Ruby ficou alguns segundos sem dizer nada. Wally aguardava paciente a resposta do amigo. Foi quando ele deu um respiro fundo e finalmente saiu de baixo do lençol com uma expressão já mais resolvida.


— Eu vou sim. Mas me prometa uma coisa.


— Sim, pode falar.


— Nunca deixe que a Sapphire saiba que eu disse uma palavra tão vulgar.


Wally encarou o amigo por alguns segundos, sem entender como ele conseguia sair de um buraco emocional tão profundo para se preocupar com algo tão banal logo em seguida. O garoto riu, coçando seus cabelos verdes, tamanho era o absurdo daquele pedido.


— Ah, Ruby, “merda” nem é tão pesado assim.


FIM DO CAPÍTULO 34

  


- Copyright © 2013 - 2018 Aventuras em Hoenn - ShadZ - Powered by Blogger - Designed CanasOminous -