Notas do Autor - Capítulo 40

Capítulo 40
Por trás da máscara
![]() |
Art by: Auko |
Mauville estava tão movimentada
quanto da primeira vez que o trio passou por lá. Até porque não se esperava
menos de uma cidade situada no coração de Hoenn, com saídas em direção aos
quatro cantos da região. Sapphire era quem estava na frente, parando logo na
entrada e respirando fundo para sentir de novo o ar da cidade após algumas
horas caminhando debaixo do sol quente. Ruby e Vivi estavam atrás, ambos
conversando sobre contests e técnicas usadas em apresentações. Zinnia vinha no
meio, em silêncio, apenas observando as características da cidade.
Quando pararam perto do ginásio
Ruby puxou um mapa, procurando entender melhor a posição em que estavam, e
quanto tempo poderiam levar até chegar ao próximo objetivo.
— Vivi, daqui até o rancho da sua
família deve levar quanto tempo?
— Olha... — a garota iniciou a
resposta, mas ficou um tempo pensando, provavelmente calculando o a média de
tempo que levara em suas experiências. — Geralmente de seis a oito horas.
— Ainda é bastante chão. Melhor
passarmos a noite aqui na cidade, e amanhã vamos embora bem cedo — sugeriu o
garoto.
— Por mim tudo bem — disse
Sapphire. — Tem alguns lugares na cidade que não deu tempo de conhecer da outra
vez.
— Contanto que você não torre as
nossas economias no cassino, pode fazer o que quiser — Ruby comentou baixo,
enquanto ainda olhava o mapa.
— Mesmo se eu quisesse, eles iam me
impedir de entrar — a menina respondeu emburrada. — Mas eu tô ofendida por você
achar que eu sou o tipo de pessoa que ia perder a linha em um cassino.
— Que seja. Bom, todo mundo de
acordo?
Zinnia e Vivi assentiram, dando uma
resposta positiva à sugestão de Ruby. Tão logo a decisão foi firmada, os quatro
se dirigiram ao Centro Pokémon para fazer as suas reservas. Após se acomodarem
nos dormitórios, todos resolveram sair para agir suas próprias coisas.
Sapphire foi até uma das praças
procurar por treinadores para praticar um pouco. Zinnia queria experimentar
tudo que pudesse nas famosas sorveterias da cidade. Vivi, por sua vez, foi até
uma galeria comercial focada em treinadores, pois ouvira falar que lá havia
sido inaugurada uma lojinha com artigos para coordenadores.
Ruby foi o único a fazer algo que
não era apenas para ele. Com Sapphire e Zinnia sendo duas distraídas por
natureza, sobrava para ele a tarefa de sempre abastecer os suprimentos básicos
no PokéMart de cada cidade.
Assim foi feito. Após pegar todos
os itens necessários para continuar a viagem e pagar a conta no caixa com as
economias do grupo, o garoto estava de volta às ruas da cidade, podendo enfim
pensar em algum lugar aonde pudesse ir para fazer algo para si próprio.
Depois de pensar um pouco, Ruby
decidiu ir até um pequeno café de esquina situado perto do Centro Pokémon,
inspirado nos que se espalhavam por toda a parte em Kalos. Porém, apesar do
ambiente aconchegante, o café era pequeno, o que o fazia lotar mais fácil.
Quando o garoto atravessou a porta,
notou que o lugar estava abarrotado de gente, quase não dava para andar perto
do balcão de atendimento. Depois de disputar lugar com várias pessoas, quase
sempre sendo empurrado para trás, Ruby conseguiu fazer seu pedido. Assim que
caminhou com seu capuccino para fora daquele espaço apertado, o garoto sentiu a
sorte sorrir para ele pela primeira vez desde que tinha adentrado o
estabelecimento. Uma das mesas havia acabado de ficar livre.
Sem perder tempo, o menino avançou
em direção ao local, mas assim que se sentou percebeu que outra pessoa havia
feito o mesmo, mas na outra cadeira. Ele arqueou uma das sobrancelhas e dirigiu
o olhar em direção à figura que dividia a mesa com ele, já pensando numa forma
de dar um fora naquela pessoa inconveniente. Mas as palavras não saíram.
Ruby não sabia dizer o que naquela
garota o intrigava tanto. Por alguma razão, ele sabia que não eram os cabelos
tingidos de rosa em um corte chanel, por mais que tivesse que admitir que eram
chamativos. Talvez fosse o mesmo olhar intrigado que ela lhe dirigia.
— Ah, me desculpe. Eu não vi que
você também vinha na direção dessa mesa — a garota tinha uma voz suave, mas sem
parecer submissa. Era quase como se ela estivesse testando até onde seu charme
colocaria o garoto contra a parede. — Bem, o café está lotado. Se importaria se
dividíssemos?
— Ahn... — Ruby não conseguia
esconder que se sentiria desconfortável na presença de alguém que não conhecia,
mas também não a deixaria sem lugar para se sentar. — Claro que não. Pode ficar
à vontade.
A moça então relaxou em sua
cadeira, a afastando da mesa para dar espaço suficiente para que ela cruzasse
as pernas. E justo esse espaço maior possibilitou que Ruby reparasse em como a
maneira que ela se vestia poderia dizer pelo menos um pouco sobre a sua
personalidade.
Suas roupas eram leves, condizentes
com aquele dia quente. Apenas uma calça jeans e uma blusa branca de mangas
curtas. Mas ao mesmo tempo, alguns traços provocativos, além dos cabelos
coloridos, como um brinco posto em apenas uma das orelhas, usando a assimetria
como um toque de irreverência, e um decote que Ruby se esforçava ao extremo
para não olhar, por achar muito exagerado.
Percebendo a situação, a garota
pigarreou, despertando o garoto do transe em que se encontrava. Continuar a
conversa talvez o tiraria daquele estado de desconforto.
— Você não é aquele menino que
venceu o contest de Verdanturf no último fim de semana?
— S-sim, eu mesmo — aquela era a
primeira vez que Ruby era reconhecido como coordenador, e por isso não sabia
muito bem como reagir ao fato de que estava começando a se tornar um rosto
conhecido do público.
— Impressionante — a garota disse
com um tom mais devagar na sua voz, ao mesmo tempo em que digitava algo em seu
PokéNav, o que fez Ruby se questionar se aquele interesse era forçado. — Qual é
o seu nome mesmo?
— Ruby...
— Ok, Ruby. Eu me chamo Courtney. Quantos
anos você tem?
— Hã, dezesseis. Eu tenho dezesseis
— Ruby mal conseguia conter o nervosismo, dada a presença forte daquela garota,
de modo que seus impulsos eram mais rápidos que seu raciocínio. — E você? Ah,
desculpa! Eu não devia ter perguntado!
Courtney riu com o jeito
atrapalhado de Ruby. O menino não sabia dizer se ela se divertia com aquilo por
achá-lo um idiota ou de uma forma mais inocente.
— Relaxa, meu bem! Eu não me
importo com essas coisas. Eu tenho dezessete.
— Dezessete? — o garoto exclamou em
surpresa. — Você é mais nova do que eu pensava.
— Como é? — a garota arqueou a
sobrancelha, mas ao mesmo com um tom descontraído em sua face. — Tá dizendo que
eu pareço velha?
— NÃO! Pelo amor de Arceus, não é
isso. É só que...
Ruby começou a corar assim que
percebeu o que estava prestes a dizer. Courtney ficou curiosa com o que ele ia
acabar dizendo, e começou a tentar forçar a explicação.
— É só que...
— Eu não sei como dizer isso de uma
maneira não constrangedora — o garoto entrelaçava os dedos das mãos rapidamente
enquanto desviava o olhar para o teto ou qualquer outro lugar que não fosse a
cara de Courtney. — Seu corpo já é bem mais desenvolvido do que a maioria das
pessoas da sua idade.
Courtney ficou surpresa com o
comentário do garoto. Ruby paralisou em frente à garota com uma cara de
paisagem como se a alma tivesse deixado o corpo há muito tempo. Quando a mais
velha assimilou a situação, ela apenas deu um gole no chá, e após colocar a
xícara de volta à mesa, entrelaçou as mãos as usando de apoio para o rosto, que
ficou mais próximo do menino.
— Olha só, então você também repara
nessas coisas — ela disse com um sorriso travesso. — No fim das contas você não
é tão inocente quanto parece, garotinho.
— Eu não falei com essa intenção...
— Então por que ficou tão nervoso?
— o mesmo sorriso continuava estampado no rosto de Courtney. — Você não tem
muita experiência com garotas, não é?
— Podemos mudar de assunto?
— Como queira — disse a moça,
colocando uma pequena quantidade de adoçante no seu café e mexendo com uma
colher, mas sem deixar sumir seu sorriso descontraído. — Bem, está de passagem
aqui em Mauville? Onde vai ser seu próximo contest?
— Em Fallarbor. Mas antes vou para
Lavaridge porque uma amiga que está viajando comigo vai enfrentar o ginásio de
lá. Nós paramos aqui para estocar os suprimentos e passar a noite.
Ao ouvir um suspiro vindo de
Courtney, Ruby notou de relance que a garota tinha um sorriso diferente de
antes. O tom descontraído, quase debochado, dela agora dava lugar a uma
sensação estranha. Era como se aquele sorriso fosse uma máscara.
Ela que, por sua vez, encarava a
xícara de café enquanto tinha aquela expressão vaga, subiu seu olhar para a
janela do estabelecimento, encarando na direção da rua, mas era claro que o
lugar para onde ela olhava era mais distante, bem além das paredes das
construções do outro lado da rua.
— Entendo. É bom poder correr atrás
de algo. Ter esse tempo é um privilégio.
Sem saber como lidar com aquela
mudança repentina de clima, Ruby recorreu à sua melhor estratégia, que era se
fazer de desentendido.
— Do que você está falando? — o
garoto indagou. — Você tem só um ano a mais que eu. Você também tem esse tempo.
Quer ser uma treinadora ou coordenadora também? Por que não vai atrás?
Courtney ficou surpresa ao receber
aquela contestação. Pela primeira vez foi Ruby que a deixou sem resposta. Ela
agora não olhava para lugar algum, parecia tentar desembaralhar seus
pensamentos, enquanto o garoto apenas aguardava a conclusão daquele
questionamento.
Poucos segundos se passaram até que
Courtney concluísse que tentar achar uma resposta seria um esforço em vão. Ela
deu mais um sorriso discreto e voltou a mexer a colher na xícara, sem sequer
perceber que não havia colocado nada dessa vez que pudesse misturar ao café.
— Você é uma pessoa boa, sabia?
Ruby virou o olhar para o outro
lado quase que de imediato. Receber elogios não era seu ponto forte.
— Também não é pra tanto — disse o
menino, tentando disfarçar seu desconforto. — Eu só não vejo razão pra alguém
não seguir os próprios objetivos.
— É complicado. Muito complicado,
pra dizer a verdade.
Ruby sentia certa curiosidade ao
ver a mudança repentina de humor de Courtney. Aquela máscara de garota
provocativa parecia ter caído. Mesmo assim, não conseguia ler o interior dela
por completo. Ainda havia algo que ele não conseguia decifrar, mas não sabia o
que era. Só sabia que aquilo lhe causava uma sensação estranha, quase como um
alerta dizendo que ele deveria se afastar. Mesmo assim ele não poderia ser
indelicado com alguém que acabara de conhecer e nunca fizera mal algum a ele.
Percebendo que terminou seu capuccino,
Ruby se levantou da mesa, se dirigindo à garota que o acompanhou naquele breve
momento.
— Eu tenho que ir. Mas foi um
prazer, Courtney.
— Ah, claro. O prazer foi todo meu.
— Espero que pense no que eu disse.
Quem decide o rumo da sua vida é você, e mais ninguém. E você parece ser uma
pessoa bem decidida e firme. Eu acho que você consegue alcançar o que quiser se
tiver essa postura.
E assim ele caminhou para fora do
café, tomando seu rumo naquelas ruas movimentadas e deixando Courtney ainda na
mesa, reflexiva com aquela lição que não esperava receber de um garoto mais
novo que ela.
Sem mais reações, ela apenas
retomou o gesto habitual de mexer seu café, ainda que, mais uma vez, não tenha
colocado nada para misturar.
• • •
Enquanto caminhava de volta para o
Centro Pokémon, Ruby passou por uma praça e percebeu que Sapphire estava no
local. Mesmo depois de todo aquele tempo, a menina ainda batalhava com outros
treinadores que ali estavam. Ela tinha uma expressão visível de cansaço, mas ao
mesmo tempo parecia estar aproveitando ao máximo aquele momento.
Ruby se sentou em um banco próximo
para acompanhar a batalha, que a partir dali não durou muito até seu desfecho
com uma vitória para a menina. Após retornar Shroomish, ela viu que seu amigo
estava logo ao lado e caminhou até ele com um largo sorriso no rosto.
— Acho que fiz umas seis ou sete
batalhas. Acredita que eu ganhei todas? — disse ela enquanto abria uma garrafa
d’água dada por Ruby. — Fechei o dia a cem por cento!
— Nesse ritmo que você está eu
ficaria preocupado no lugar da líder do ginásio de Lavaridge — Ruby respondeu.
— Mas acho que você foi além do necessário. Seis batalhas é muito. Talvez você
aguente, mas seus Pokémons com certeza se desgastam mais do que você, porque
são eles que estão ali no confronto. Tente não puxar muito o limite deles, por
segurança.
— Eu sei, eu sei. É que a gente
acabou se empolgando. Mas saber que eles aguentaram tanto me deixa até
aliviada. Sinto que a gente consegue intensificar um pouco mais os treinos pra
que eles se desenvolvam mais rápido.
— Sim, mas um passo de cada vez,
como você e a Zinnia disseram pra mim — o garoto então pega as sacolas de
compras e se levanta do banco. — Enfim, vamos voltar? A essa altura, a Zinnia e
a Vivi já devem ter chegado também.
Sapphire sorriu para o menino,
mantendo suas mãos atrás. Os dois logo começaram a caminhar de volta para o
Centro Pokémon, onde poderiam dar aquele dia por encerrado.
— Vamos — disse a menina. — Mas
deixa eu tomar banho primeiro hoje? Acho que eu tô precisando mais do que você.
— Você com certeza está precisando
mais do que eu — Ruby então sentiu um soco leve no seu ombro, acompanhado de
uma risada de Sapphire.
— Idiota!
• • •
Courtney se encarava no espelho do vestiário
em que se encontrava. As roupas leves que usava mais cedo agora davam lugar ao
uniforme carregado de peças da organização onde trabalhava.
A garota se encarava no espelho com
expressão de dúvida. Aquela conversa com Ruby ainda estava rodando em sua
cabeça. Especialmente o que ele havia dito ao final daquele encontro.
— Por que eu não vou atrás? — ela
parafraseou o garoto. — Honestamente... Eu não sei.
Ela então colocou uma das mãos
sobre o peito, e abriu um sorriso discreto, mas pela primeira vez naquele dia
um sorriso um pouco mais autêntico do que os que ela estava acostumada a
mostrar.
— Mas descobri algo do qual eu
quero ir atrás. Agora com certeza.
Ao sair do vestiário, ela caminhou
pelos corredores da sede da organização. Qualquer membro que passasse pelo seu
caminho a cumprimentava assim que a via. Muitos deles com um semblante até
ansioso ou preocupado, para não dizer com medo.
Após uma caminhada breve, Courtney
parou em frente a uma porta automática. Quando ela se abriu, ela adentrou a
sala onde se encontravam duas figuras. Uma delas, um dos homens ali presentes
se dirigiu a ela com um tom de desprezo.
— Você está atrasada. Por onde
andou?
— Cuidando da minha vida, Tabitha.
Às vezes você deveria tentar cuidar da sua também.
Ela então se virou para a outra
figura, esta aparentando mais paciente. Ou talvez fosse apenas uma serenidade
de fachada. Sua expressão séria por trás daqueles óculos era ilegível.
— Peço desculpas por fazê-lo
esperar, mestre Maxie. Quais são os próximos passos?
FIM DO CAPÍTULO 40
Notas do Autor - Capítulo 39
Até a próxima! õ/
Capítulo 39
Missão de busca

Wattson estava terminando de
arrumar as coisas para abrir o ginásio. Após preparar as prateleiras com as
equipes determinadas para cada nível de desafiante, o líder pegou uma vassoura
e foi até a parte externa varrer a fachada. Os funcionários ainda não haviam
chegado, mas o veterano já estava adiantando as tarefas para que estivesse tudo
em ordem assim que desse o horário.
— Olha só pra você, varrendo a
calçada igual um velho — o líder foi pego de surpresa ao ouvir a voz grave e
rouca que vinha de trás.
Ao se virar, Wattson notou que era
Drake quem estava atrás dele. O Elite mantinha sua postura firme, fumando um
cachimbo como de costume, enquanto encarava o velho amigo com uma expressão
debochada. O líder de ginásio abriu um sorriso de canto, continuando a varrer o
local, mas sem ignorar a visita.
— Você é a última pessoa que pode
me chamar de velho por aqui, sua caveira idiota — disse o mais baixo, seguido
de sua risada estridente característica. — Foi você que mandaram pra fazer a
supervisão dessa vez?
Drake deu mais uma puxada no
cachimbo, prendendo o fumo por um breve momento, até que soltou a fumaça.
Wattson percebeu os ombros do mais alto relaxando levemente, mas preferiu
esperar antes de fazer mais algum comentário.
— Hoje não. Na verdade, eu vim
conversar com você a respeito daquela situação que ocorreu em Nova Mauville.
— Descobriram mais alguma coisa
sobre o ataque?
— Anabel ainda está investigando.
Mas estou aqui por conta de um outro detalhe daquele dia que chegou ao meu
conhecimento. Esse está mais pra um assunto pessoal que eu devo resolver.
— Tudo bem, me deixe terminar de varrer aqui e a gente entra pra conversar. Falta pouco.
— Você é lerdo demais. Me dá outra vassoura que eu te ajudo.
Tendo saído de Verdanturf poucas
horas antes, Sapphire aproveitava a pausa pedida por Ruby para fazer uma nova
tentativa de treinamento com o Psyduck. Mas não parecia que haveria muito
progresso naquele dia. O pequeno pato continuava com a mesma expressão vaga e
indecifrável de sempre, e a menina sentia que tentar se comunicar com ele seria
bem difícil.
Zinnia aproveitou o momento para
colher algumas frutas na beira da estrada, bem como deixar seus Pokémons livres
para pegar um pouco de ar fresco, assim como também fizeram Sapphire e Ruby.
O garoto estava sentado em um
tronco de árvore caído, e ali aproveitava para alongar os braços, pernas e a
coluna. Ele então notara a dificuldade que a amiga estava tendo com a
criaturinha aquática.
— Tudo bem aí, Sapphire?
— Eu não consigo entender qual é a
desse Psyduck, ele não expressa nada! E eu tô começando a ficar realmente
preocupada, porque eu não sei dizer se ele tem algum problema, ou se ele é
assim mesmo. E se de repente ele tiver alguma necessidade de saúde ou fome e eu
não souber?
— Eu acho que você não deveria
ficar tão preocupada assim. Lá em Johto tem muitos lugares com Psyducks. Eu já
vi vários, e eles são bem assim mesmo — Ruby tentava acalmar a amiga. — Desde
que você não deixe ele sentir dor de cabeça, deve ficar tudo bem. Aliás, eles
são bem mais expressivos quando algo está errado, então eu tenho certeza que
você vai saber se for o caso.
— Paciência é a chave, Sapphire —
disse Zinnia, se aproximando com algumas frutas apoiadas na barra da blusa. —
Tentar entender os Pokémons nunca é fácil, mas se você ficar ansiosa desse
jeito não vai conseguir pensar e notar as peculiaridades dele. Se adapte e faça
as coisas no ritmo do Psyduck que as respostas vão começar a aparecer aos
poucos.
Sapphire não parecia muito contente
com as explicações dos seus amigos, que para ela pareciam mais como os sermões
que seu pai lhe dava na infância sobre o porquê ela não deveria ser tão
impulsiva, mas tentou acatar os conselhos, ainda que a contragosto. Lavaridge
se aproximava, e um Pokémon aquático seria um trunfo importante para a equipe
dela ao enfrentar um ginásio especializado no tipo fogo.
Zinnia se sentou no troco, logo ao
lado de Ruby, e ofereceu as frutas. O garoto pegou uma, a esfregou na sua
bermuda para tirar a sujeira, e começou a descascá-las com uma pequena faca que
tinha guardada em sua mochila. Oran berries pareciam cair muito bem em dias
quentes como aquele.
Enquanto Sapphire encarava a face
desconectada do Psyduck, Ruby notou alguém se aproximando pela estrada. A
menina interrompeu sua caminhada assim que notou o grupo a sua frente, e foi
quando reconheceu o garoto que seu sorriso se abriu. Numa breve corrida, ela
tratou de se aproximar do trio.
— Ruby! — exclamou a menina,
enquanto segurava uma mecha de cabelo que havia se soltado de seu
rabo-de-cavalo para que o vento não a jogasse contra seu rosto. — Quem diria
que eu ia te encontrar aqui?
— Vivi? — Ruby indagou em tom de
surpresa. — Você ainda estava em Verdanturf esse tempo todo?
— Sabe como é, eu quis tirar um
descanso extra depois do contest. Mas cedo ou tarde temos que voltar ao
trabalho, né?
Sapphire e Zinnia por um momento se
mantiveram atentas à conversa, mas logo relaxaram ao ver que o clima estava
amistoso. A experiência com Emily fazia as duas pensar que o Ruby tinha certo
talento para criar rivalidades e entrar em jogos de provocações, mas aquele não
parecia ser o caso. O menino, por sua vez, logo notou que suas companheiras
estavam observando.
— Ah, que indelicado da minha
parte! Estas são Sapphire e Zinnia. As duas estão viajando comigo — ele então
se virou para a dupla. — Meninas, esta é a Vivi. Acredito que vocês se lembrem
dela por ter se apresentado no contest.
— Prazer! — Vivi logo tomou a
iniciativa, e as meninas responderam com um breve aceno. — Então, Ruby... Agora
que você tem duas fitas, vai precisar competir em um contest R2. Pra onde você
está indo agora?
— Bem, estamos indo para Mauville.
De lá vamos pegar a saída norte, pois a Sapphire vai enfrentar o ginásio em
Lavaridge, e eu vou tentar o contest R2 em Fallarbor. Ele não é o que tem a
data mais próxima, mas como estou um pouco adiantado no número de fitas
acredito que posso tirar esse tempo para pensar na próxima apresentação e
praticar.
— Entendo, é uma boa estratégia —
Vivi assentiu, e logo em seguida se dirigiu à Sapphire. — Então você é uma
pretendente à Liga Pokémon, não é?
— Hã? Ah, sim, eu sou. Ainda tenho
três insígnias, Lavaridge seria a minha quarta.
— Legal, parece que você vai ser
rival do meu irmão, Vito. Mas vou avisando, ele é forte. Ele é o atual
vice-campeão da Liga Pokémon, só perdeu a final para o Steven que é o atual
chefe da Elite 4. E mesmo assim, ele competiu de igual pra igual.
— Sério? Então é exatamente o tipo
de rival que eu procuro — Sapphire pareceu se animar com o aviso. — Já estou
ansiosa pra conhecer ele.
Antes que as duas pudessem dizer
mais alguma coisa, foi a vez de Ruby tomar de volta a atenção da coordenadora a
chamando.
— Vivi, você já competiu nos
contests na temporada do ano passado, certo?
— Sim, isso mesmo. Por quê?
— Eu vi que cada sede tem uma
especialidade. Eles não mudam o tipo de contest de uma temporada pra outra.
Pode me dizer qual é a modalidade de disputa em Fallarbor?
— Querendo informações
privilegiadas, né? Isso é trapaça — Vivi então notou que o menino fazia uma
expressão confusa, mas ao mesmo tempo levemente constrangida, o que a fez rir.
— Ei, ei! Eu tava brincando! Não é como se essas informações já não fossem públicas,
até porque senão os coordenadores estreantes estariam com uma desvantagem
injusta. O contest em Fallarbor é igual ao de Slateport. Ele é focado em
batalhas.
— Ah, batalhas de novo? — o garoto
engoliu seco.
— Sim. Acho que é mais pelo apelo,
né? Fallarbor é uma cidade de cultura meio country, então o pessoal lá
gosta de assistir uma boa briga. Apresentações artísticas não são o evento
favorito deles.
— Country? — Sapphire
perguntou. — Tipo, viver no campo, em fazendas?
— É, o povo de Fallarbor foca muito
em agropecuária, porque a proximidade da cidade com o vulcão do Monte Chimney
torna o solo de lá muito fértil pra produção — Zinnia completou a explicação de
Vivi.
— Parece que eu vou ter que treinar
mais firme ainda. Eu não sou bom em batalhas.
— Ruby, do que você está falando?
Você venceu o contest de Slateport — disse Sapphire, com as mãos na cintura. —
E até lá temos tempo de sobra, vamos te ajudar a treinar.
— Eu sei de um bom lugar pra você
treinar, Ruby — disse Vivi, com um sorriso travesso no rosto. — E eu posso
levar vocês, porque estou indo exatamente pra lá. É o mesmo caminho que vocês
vão fazer.
Ruby pareceu se animar com a
sugestão de Vivi, além do apoio de Sapphire. A incerteza que rodeava a mente do
garoto o havia deixado em paz, pelo menos naquele momento.
— Eu topo! Onde fica?
— É assim que se fala! — a
coordenadora comemorou. — Minha família tem um pequeno rancho um pouco depois
da saída norte de Mauville. Todos eles são fanáticos por batalhas. Até por isso
eu costumo me dar bem nesse tipo de contest. Vocês podem enfrentá-los. É um
desafio interessante pra você, Sapphire. E quanto a você, Ruby, quem sabe você
não tira umas dicas boas pros seus próximos treinos?
Sem nenhuma objeção, Vivi se juntou temporariamente ao grupo. Ter mais alguém por perto tornaria a viagem mais fácil e agradável, especialmente para Ruby que agora teria uma coordenadora mais experiente para orientá-lo em alguns pontos importantes.
E assim eles terminaram aquele momento de descanso e seguiram em direção a Mauville, já ansiosos para pegar a próxima rota.
Já dentro do ginásio, Wattson e
Drake tomavam seus lugares na sala de administração para conversar. O líder
trancou a porta, a pedido do Elite, que preferia manter o sigilo do assunto.
— Então... — Wattson quis apressar
o assunto, pois não tinha muito tempo sobrando antes da abertura do ginásio. —
O que você quer saber sobre aquele dia?
— Vou ser bem direto. Aquelas
crianças que acabaram se envolvendo no conflito... Tinha uma outra pessoa
junto?
— Eram três jovens ao todo. Um
deles era um garoto meio problemático, esteve junto comigo e me ajudou no
confronto. Os outros dois eram Sapphire, uma desafiante que estava aqui na
cidade para me enfrentar, e o Ruby que é um companheiro de viagem dela. Esses
dois aí são boas crianças, apesar de terem sido imprudentes se intrometendo
nesse assunto.
— Bem, Steven viu que havia outra
pessoa que chegou logo em seguida, e que esses dois aí pareciam conhecer. Ele
ouviu Roxanne afirmar que essa pessoa era uma draconid, alguns anos mais velha
que os dois.
Wattson bebeu um gole do café que
havia servido para ambos, mas ao mesmo tempo acenou positivamente.
— Sim, era uma garota. Eu a vi
também, mas só no final, quando já tinha acabado a confusão. Ela tinha mesmo
uma roupa bem diferente. Deixa eu adivinhar. Ela é uma pessoa que devia estar
lá com seu povo, mas por alguma razão não está. É isso?
— Antes fosse só isso — disse o
Elite dando um suspiro. — Ela tem um papel fundamental para o povo draconid, é
a atual Guardiã da Tradição.
Wattson pôs a xícara de volta na
mesa e se recostou no sofá com as mãos atrás da cabeça.
— Isso é um problema. Por que ela
saiu do povoado?
— Apesar de ter sido escolhida como
a nova guardiã, Zinnia ainda é imatura. Ela não tem muita noção da
responsabilidade que carrega, e ainda questiona as histórias de nosso povo.
Para ela, tudo isso não passa de uma pseudo-religião criada sem nenhum contexto
histórico.
— Entendo — o líder mexia uma
colher de açúcar que havia colocado no café. — Assim, eu realmente a vi no dia.
Mas não sei em que mais posso te ajudar.
— A menina te desafiou aqui no
ginásio, não foi?
— Sim, desafiou e venceu. E eu te
digo uma coisa. Ela é boa. Ainda tem que cobrir alguns pontos fracos, mas tem
potencial pra evoluir muito. Talvez ela faça um barulho na Liga. Você ia gostar
de vê-la batalhando.
— Tomara que ela fique forte, mas
não é em treinadores iniciantes que estou interessado no momento. É na Zinnia.
Se a Sapphire te desafiou, você não teria alguma ideia de onde ela pode ter ido
após deixar a cidade?
Wattson ficou um momento em
silêncio, tentando se recordar de algo. Drake permanecia em seu lugar,
paciente. Para o Elite, todo o tempo seria necessário para juntar as
informações que ele precisava para descobrir o paradeiro da guardiã. O líder
então estalou os dedos, parecendo lembrar-se de algo.
— Eles foram pra Verdanturf. O
garoto é coordenador, então foi competir lá. Eu não me lembro bem se fui eu
quem recomendou, ou se foi ideia deles mesmo, mas em seguida eles devem ir pra
Lavaridge enfrentar a Flannery.
Drake balançou a cabeça em negativa
ao ouvir aquilo. Com uma expressão de descontentamento, e com certo tom de
cansaço em sua voz, ele se levantou e se preparou para sair.
— Bom... Se ela é tão boa quanto
você diz, então vai ser praticamente uma insígnia de graça pra ela.
— Ei, não fale assim da Flannery —
Wattson tentou intervir em favor da garota. — Ela está dando tudo de si, tenho
certeza que ela vai superar essas dificuldades.
— Dificuldades teremos nós se a
Liga Pokémon desse ano acabar ficando inflada de competidores. Isso vai alterar
as datas do nosso calendário de competições, além de afetar os contratos com os
patrocinadores. Ela está colocando toda a operação em risco.
O líder mais velho apenas se calou,
não conseguindo encontrar mais argumentos. A líder de Lavaridge estava sob
forte pressão da supervisão da Liga devido ao desempenho questionável que vinha
apresentando, e Wattson temia que a solução final dada pela Elite fosse a
remoção dela do cargo antes de mostrar seu potencial.
— Eu também não gosto de prejudicar
o futuro de uma pessoa jovem e cheia de sonhos, Wattson. Isso se aplica tanto à
Flannery como à própria Zinnia. Mas eu tenho responsabilidades das quais não
posso fugir, mesmo que isso conflite com algumas convicções que eu tenho.
Enfim, preciso voltar pra Ever Grande.
— Já vai embora? O contest de
Verdanturf foi anteontem. Se você ficar aqui pode acabar pegando a volta deles.
— Preciso estar lá pra agir algumas
coisas da Liga. Eu acabei interrompendo uma reunião importante do Steven com a
equipe, então temos que dar continuidade. Mas se o contest foi anteontem, creio
que em até três semanas eles tenham feito o trajeto completo até Lavaridge. É
mais ou menos o período que o Sidney estará na cidade para supervisionar a
Flannery. Vou pedir pra ele estender um pouco a estadia e ficar de olho.
O Elite caminhou até a porta da
sala. Wattson a destrancou e permitiu a passagem do velho amigo. Mas, antes de
Drake ir embora, o líder fez uma última pergunta.
— E quanto à supervisão do meu
ginásio?
— Não se preocupe. Glacia estará aqui na semana que vem para te acompanhar.
— Puta merda! Logo ela?
Notas do Autor - Capítulo 38
Capítulo 38
A porta para um novo futuro

Após mais um dia de estadia em
Verdanturf e uma sessão de treinamento de Sapphire batalhando contra a equipe
de Wally, era chegada a hora de se despedir da charmosa cidade. O grupo estava
na praça central, onde combinaram de se encontrar uma última vez, já que Wally,
apesar de ter dito que seguiria para Slateport, ainda ficaria um pouco mais por
lá, enquanto o trio voltaria a Mauville para pegar a rota ao norte em direção a
Lavaridge.
Wally havia pedido para que
ficassem mais um pouco conversando antes de partirem. Ruby acreditava que o
garoto apenas queria estender um pouco mais a companhia por não ser possível
saber quando seria a próxima vez que se encontrariam. Afinal, a diferença entre
eles era de duas fitas, então havia um longo caminho a ser percorrido.
A surpresa só veio quando Emily
apareceu na praça, se colocando junto a eles como quem já tinha alguma
intimidade ali. Ruby arqueou uma das sobrancelhas, sem entender muito bem se a
sua rival tinha perdido a noção, ou se estava ali com o intuito de arrumar
problema.
— Ora, ora, veja só quem veio se
despedir da gente — o garoto exibia um sorriso triunfante. — Finalmente se
rendeu ao meu talento como coordenador e admitiu a derrota? Ou veio me pedir um
autógrafo?
Emily nada disse. Apenas encarou
Ruby com sua cara de sono por alguns segundos e se virou para Wally, ignorando
por completo a existência do garoto.
— Eu só queria lembrar que temos
pouco tempo para o seu próximo contest em Slateport, Wally — disse Emily, com
os braços cruzados em sinal de impaciência. — Precisamos treinar logo para que
você chegue lá preparado. Você está muito atrasado, precisa conseguir uma fita
logo!
De início, Ruby não havia
processado a informação. Mas poucos segundos foram necessários para que o
garoto ligasse os pontos do que estava sendo conversado para logo constatar o
óbvio.
— Wally, vocês por acaso estão
viajando juntos?
Enquanto Emily arqueou uma das
sobrancelhas como quem estava esperando para ver o que viria daquela pergunta,
o garoto por sua vez deu uma risadinha sem graça, coçando a parte de trás da
cabeça.
— É, a gente está viajando junto
sim. Eu pedi para que a Emily me desse algumas dicas para os próximos contests,
e ela aceitou me ajudar.
— PEDIU AJUDA PRA ELA? FICOU LOUCO?
— Por que ele seria louco de me
pedir ajuda, hein? — Emily se aproximou de Ruby com um tom ameaçador.
— Porque ele é meu amigo, e deveria
estar do meu lado! Ele sabe muito bem que nós não temos muita simpatia um pelo
outro.
Emily rangeu os dentes com o que
estava ouvindo. Para a menina, o fato de ter acabado de ser derrotada por Ruby
em um contest só tornava a infantilidade do garoto ainda mais insultante.
— Eu estou de olho em você! — Ruby
apontou para Emily. — Eu vou garantir que o Wally nunca baixe a guarda perto de
você. Vai que você é uma Seviper assassina disfarçada de humana.
— Pois fique sabendo que EU SOU uma
Seviper assassina! Mas o Wally estará seguro comigo, porque o meu veneno foi
feito especialmente pra você, seu Zangoose escroto!
Emily então pegou Wally pelo braço
e saiu puxando o garoto na direção do Túnel Rusturf. Wally, sem saber como
reagir, apenas deu um tímido aceno para o grupo que agora ficaria para trás.
Sapphire e Zinnia estavam sem reação. Para elas, talvez aquele tipo de confusão
fosse normal entre coordenadores, então as duas acharam por bem não se
intrometer.
Ruby estava paralisado com o que
acabara de ouvir. Aos poucos sentiu seu rosto ficar vermelho, e mal conseguia
formular os pensamentos.
— Escroto? Aquela garota me chamou
de escroto? — o garoto começou a esfregar a cabeça, bagunçando seus cabelos e
quase jogando a touca para cima. — Ela consegue ser mais vulgar a Sapphire! Eu
não aguento mais essa menina! Eu já consegui vencer essa idiota ontem, mas vou
treinar ainda mais para da próxima vez humilhar ela de verdade quando
competirmos de novo!
O garoto fez menção de voltar para
o Centro Pokémon, mas ao se virar deu de cara com Sapphire, com um sorriso que
mais parecia disfarçar sua raiva do que qualquer outra coisa. Seus rostos
estavam bem próximos, assim a menina esperava garantir que sua mensagem fosse
clara.
— O que você quis dizer com “mais
vulgar que a Sapphire”?
— Ahn... Nada.
• • •
A Elite estava reunida mais uma vez
no gabinete do Campeão, situado no prédio da Liga na cidade de Ever Grande. Da
janela da sala era possível ver o oceano que se estendia até o horizonte. Os
quatro membros estavam sentados em seus respectivos lugares, bem como Steven,
que tomou a palavra quando se certificou de que estavam apenas os cinco membros
por perto para ouvir o assunto daquela reunião.
— Primeiramente eu gostaria de
agradecer por toda a paciência que tiveram. Aquela viagem que fiz a Sinnoh logo
que assumi finalmente me rendeu algum resultado, então vou poder contar a vocês
pelo menos essa primeira parte.
— Muito bem, já era hora de você
nos dar explicações mesmo — disse Glacia, arqueando uma das sobrancelhas. — Já
faz quase três meses desde essa viagem, e ainda estamos aguardando a sua
justificativa.
Steven percebeu que os membros o
encaravam de maneira não muito agradável. Glacia e Sidney demonstravam uma
insatisfação flagrante, enquanto Phoebe estava com um olhar mais desconfiado.
Drake era o único que mantinha uma postura serena, talvez o mais indecifrável
daquela sala, mas dessa vez não colocava sua voz em favor do Campeão, indicando
que Steven já havia usado a paciência do homem.
O rapaz deu um suspiro longo,
sabendo que aquela conversa poderia se tornar mais difícil do que estava
esperando. Até porque o que para ele era um avanço, para os outros poderia ser
interpretado como mais uma tentativa de enrolá-los. E o que estava por vir em
seguida era um anúncio ainda mais arriscado.
— Bem, vou começar explicando
alguns detalhes para que vocês entendam o contexto, mas vou ser o mais breve e
suscinto possível. Cynthia, ex-Campeã de Sinnoh, é uma amiga de longa data. Fui
para Sinnoh pois precisei dela para me colocar em contato com uma pessoa.
— E quem é essa pessoa? — Sidney
questionou, mantendo os braços cruzados.
— Creio que vocês já devem ter
ouvido falar de Fantina, líder de ginásio em Hearthome e que já foi uma grande
coordenadora.
Todos na sala assentiram, indicando
que a conheciam.
— Uma grande mestra de tipos
fantasma — disse Phoebe, alegre. — Ela e Agatha foram minhas referências por
muito tempo.
— Tenho todo respeito à Fantina,
que é uma profissional formidável — disse Glacia. — Mas em que ela poderia
colaborar com a Liga Pokémon de Hoenn?
Steven se levantou, e abriu uma das
gavetas de sua escrivaninha. Os membros da Elite ficaram curiosos ao vê-lo
colocar um pequeno baú em cima da mesa. O Campeão gesticulou para que os quatro
se aproximassem, e assim que o fizeram, o rapaz abriu a tampa, revelando
algumas pedras esféricas pequenas, que mais pareciam feitas de vidro ou alguma
resina, e tinham seu interior colorido.
— Bolinhas de gude? — Sidney
questionou. — Qual é, cara! Fala logo do que se trata, eu não tenho saco pra
ficar decifrando enigmas!
— Eu não sei se vocês sabem, mas a
Fantina é de Kalos — Steven começou a explicar, ignorando a habitual grosseria
de Sidney. — E existe uma pessoa lá que eu gostaria de conhecer, pois ele tem
feito algumas pesquisas interessantes que eu ando acompanhando.
— E o que isso tem a ver com a
Liga? — Drake perguntou.
— Essa pessoa em Kalos é o
Professor Augustine Sycamore, maior autoridade acadêmica da região. Ele é o
responsável por entregar os Pokémons iniciais aos treinadores novatos, como o
Professor Birch faz aqui, mas não fica só por isso. Ele tem conduzido pesquisas
sobre um fenômeno que eles estão chamando em Kalos de “Mega Evolução”.
— “Mega Evolução”? — Glacia pareceu
ter sua atenção atraída. — E o que a diferencia de uma evolução comum para ter
uma outra categorização?
— Pelo que tenho visto nas
pesquisas, a Mega Evolução é uma forma superior para uma mesma espécie Pokémon.
Ela libera o percentual de poder que é naturalmente restrito, mas como o
próprio organismo do Pokémon não suporta a exposição a essa explosão de poder
por muito tempo ela acaba sendo temporária. Eles a seguram por tempo suficiente
para terminar uma batalha, e depois voltam à sua forma original.
— Uma evolução temporária que
libera um poder adormecido em um Pokémon... — Drake ficou pensativo. — Isso
mudaria drasticamente a forma como batalhamos. Posso assumir que você deseja
trazer isso para Hoenn?
— Não trazer, porque ela parece já
estar em Hoenn — Steven empurrou o baú com as pequenas pedras mais para a
frente. — A Mega Evolução tem dois requisitos que devem ser cumpridos, segundo
as pesquisas indicam. O primeiro é um forte laço entre treinador e Pokémon,
enquanto o segundo é a posse de uma Mega Pedra.
— E você acredita que isto que você
nos mostrou sejam essas pedras? — Glacia não parecia convencida.
— A aparência e tamanho delas
condizem com o que consta nos relatórios.
— E onde você as encontrou?
— Durante escavações em Meteor
Falls e na Caverna de Granito. Uma delas também foi encontrada na montanha que
cerca o Deserto das Miragens.
Drake se curvou para observar as
pedras mais de perto. O homem não pôde deixar de notar a marca que havia no
interior de cada uma delas, uma gravura multicolorida que lembrava um segmento
de DNA.
— Eu conheço este símbolo.
Todos tiveram sua atenção atraída
pelo veterano na mesma hora. Até mesmo Steven se surpreendeu com a afirmação de
Drake, que continuava olhando fixo para os objetos a fim de ter certeza de que
não estava enganado.
— O senhor se lembra de ter visto
essa marca em mais algum lugar? — indagou o Campeão, curioso.
— Ela está gravada em um antigo
artefato guardado pelo povo draconid.
— Seria o meteorito de Rayquaza?
Drake arregalou os olhos, enquanto
o restante da Elite trocava olhares confusos. Steven percebeu a súbita mudança
na atmosfera da sala, especialmente vindo do mais velho, que de pronto tomou a
frente daquele encontro.
— Todo mundo pra fora da sala —
disse o homem. — Preciso conversar com o Campeão.
— A reunião ainda não acabou, o
Steven ia nos explicar mais sobre as Mega Pedras — disse Glacia.
— Por hoje acabou, ele pode
continuar depois. Todo mundo fora.
Os três saíram da sala para
retornarem aos seus afazeres. Steven observava Drake trancar a porta da sala e
ponderava se tinha dito algo errado. Quando o draconid caminhou de volta até o
mais novo, coçou o bigode e começou a encará-lo nos olhos.
— Como você sabe sobre o meteorito
de Rayquaza?
— Bom, eu ouvi sobre. Por quê?
— Quem te contou?
— Por que quer saber?
— Quem te contou? — a segunda
pergunta foi enfatizada pela subida no tom de voz de Drake.
Steven ficou encarando o ex-Campeão
sem dizer nada. Drake também custou a dizer algo, mas enquanto os dois
atravessavam aquele silêncio pesado o homem tentava buscar as informações em
sua mente para tentar ligar os pontos.
— Foi a Roxanne?
Foi a vez de Steven arregalar os
olhos, confirmando a suspeita do mais velho. Drake deu um suspiro pesado, sua
expressão era de descontentamento com aquela situação.
— Espere! Não vai puni-la por isso,
ou vai?
— Steven, deixa eu te contar uma
coisa — Drake se sentou no sofá e acendeu um charuto. — Certos detalhes a
respeito dos draconids e a mitologia de Hoenn são sigilosos. Eles estão
guardados sob rigorosa segurança nos arquivos secretos na Biblioteca de Rustboro.
— A Roxanne tem acesso permitido ao
setor por ser a líder de ginásio da cidade.
— Estou dizendo que ela não poderia
ter te contado isso! Não em qualquer lugar, mesmo depois de você ter se tornado
Campeão! Você deveria aprender sobre isso aqui, numa sala bem reservada, em uma
reunião sigilosa.
— Sr. Drake, por acaso as lendas a
respeito de Rayquaza são reais?
Drake se manteve olhando para
Steven por um breve momento, notando que o rapaz aguardava apreensivo a
resposta. O homem deu uma tragada no charuto para se dar tempo de escolher as
melhores palavras para aquele momento.
— Sempre que me perguntam isso eu
respondo que é um assunto que envolve a fé pessoal de cada um, que não vale a
pena ficar debatendo. Faço isso para proteger a própria cultura do meu povo.
Steven, eu sei que você é uma mente jovem com boas intenções. Você quer trazer
inovações para a Liga Pokémon, quer criar uma estrutura melhor e subir a
reputação de Hoenn como uma das ligas mais competitivas do mundo. Mas existem
outras atribuições ao cargo de Campeão que você precisa compreender antes. E eu
preciso ter certeza do quanto você está comprometido com isso.
O rapaz ficou a observá-lo em
silêncio. Steven pela primeira vez trocava sua habitual serenidade por um olhar
mais sério e determinado. Drake não se convenceu tanto por aquela mudança no
semblante do Campeão, mas decidiu que ocultar aqueles fatos não seria a melhor
decisão.
— A lenda é real. Impedir os Aquas
e Magmas como você fez em Mauville foi importante, porque assim como Rayquaza,
Groudon e Kyogre também são reais. Isso vai muito além de permitir que
baderneiros destruam as coisas por aí, isso tem a ver com o futuro desse
planeta. Essas criaturas têm poder para pulverizar o mundo inteiro, e por isso
precisamos garantir que ninguém mexa com esse tipo de poder.
O mais jovem nada disse. Encarava
Drake com um olhar sério, como quem compreendia muito bem a criticidade daquele
fato ser verdadeiro. O veterano coçou o queixo, ainda frustrado com a maneira
como aquela informação havia vazado, mas sabia que não era o momento para lidar
com aquilo.
— E como se não bastasse tudo isso,
justo agora a Guardiã da Sabedoria resolveu fazer papel de adolescente rebelde
e fugir. Foi em Mauville que você disse ter visto a Zinnia, não foi?
— Sim, ela estava lá. A própria
Roxanne a reconheceu como sendo uma draconid.
— Entendo. Nesse caso, estou indo
pra lá — Drake se dirigiu até a porta. — Vou ver se encontro alguma pista que
possa me levar até o paradeiro dela. Não existem muitos draconids além dos
arredores de Meteor Falls, então sobrou pra mim ter que colocar ela na linha.
O veterano ajeitou seu sobretudo e
apagou o charuto em um cinzeiro. Caminhou até a porta, mas antes de deixar a
sala se virou para Steven novamente.
— Tudo que conversamos a sós morre
aqui. Pelo menos por enquanto.
— Você tem minha palavra que essas
informações não vão vazar — o rapaz fez uma breve reverência.
Quando se viu sozinho, o Campeão trancou a porta e caminhou de volta à mesa. Ao se sentar em sua cadeira, virou o baú com as mega pedras e ficou a observá-las por um breve momento. Entrelaçando os dedos das mãos, Steven deu um suspiro longo. Mas logo em seguida abriu um sorriso ao pegar uma das misteriosas pedras, esta com marcantes traços em vermelho, azul e preto.
— Talvez seja uma boa ideia eu mostrar isso ao Sr. Wallace.
FIM DO CAPÍTULO 38