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Capítulo 13

Tratamento de choque


Após uma madrugada turbulenta o barco de Briney começou a se mover em direção a uma das ilhas da Rota 105, onde Miriam enfrentaria seu primeiro desafio pela Batalha da Fronteira.

O silêncio predominava. Ninguém conseguiu mais dormir após o ocorrido com a Team Aqua, e nas horas seguintes o assunto sequer foi abordado. Não apenas isso, como não havia conversa. Todos se mantinham quietos, olhando para o nada. Apenas Briney mantinha o foco de sua visão, uma vez que ele era quem pilotava o barco. E foi o velho que acabou quebrando o gelo.

— Crianças, eu vou diminuir a velocidade porque estamos nos aproximando de uma barreira de corais. Acho que em vinte minutos estaremos atracando na ilha.

Nenhuma resposta. Briney olhou para trás com uma cara fechada, porque no fundo sentia culpa por ter deixado que eles passassem pela situação de horror da noite anterior. Não só isso, como martelava em sua mente toda hora a lembrança de que um documento considerado segredo de Estado e estava em sua posse agora tinha sido roubado por um culto obscuro cujas intenções eram desconhecidas. Ou nem tanto. Em seu subconsciente ele tinha suposições.

Finalmente desembarcaram. A ilha era vasta e possuía uma grande montanha rochosa, cercada por vegetação densa. Miriam tirou de sua bolsa o guia que era entregue aos desafiantes da Batalha da Fronteira para poder verificar onde seria o local. Após analisar as páginas do encadernado por alguns minutos a menina o fechou e tomou a dianteira do grupo.

— Por aqui — disse com um tom de voz vazio, diferente do seu habitual, causando preocupação em Ruby e Sapphire.

Enquanto a treinadora de Kanto ia em frente, seus amigos estavam mais afastados, conversando entre si sobre a mudança de comportamento dela.

— Ela está diferente, não acha? — indagou Ruby.

— Não é pra menos — Sapphire mantinha o olhar fixo em Miriam. — Dentre nós, ela foi quem ficou mais abalada com tudo que aconteceu ontem.

— Ela vai ter uma batalha importante agora, tomara que isso tudo não acabe mexendo com ela durante o desafio.

— Eu também espero...

Chegaram ao local de entrada após dar a volta na encosta do rochedo. Uma porta colossal de aço estava à frente do grupo, com uma pessoa do lado de fora que parecia vigiar a chegada de desafiantes. Quando o vigia notou a chegada dos visitantes, o mesmo pegou o que parecia um comunicador de rádio e falou algo que não era possível ouvir dada a distância. Como ninguém frequentava aquele local, todos ali já assumiam que qualquer presença incomum era um competidor da Batalha da Fronteira.

As portas se abriram, revelando o interior da instalação. O interior era uma arena bastante extensa, cujos arredores possuíam temática industrial. Era possível ver algumas esteiras e máquinas por todos os lados, bem como passarelas que cruzavam o campo de batalha pelo alto.

De uma das portas de acesso apareceu um homem de estatura alta. Seu rosto era marcado por olheiras leves, mas sua expressão era confiante.

— Sejam bem vindos — sua voz ecoava pela arena. — Vocês estão na Fábrica da Batalha. Meu nome é Noland, e sou o Cérebro da Fronteira encarregado desta instalação. Quem de vocês veio aqui para me desafiar?

Miriam se colocou à frente de seus amigos. Por um momento sentiu sua garganta travar, mas respirou fundo e conseguiu retomar a calma.

— Eu — sua voz saiu firme, apesar de não ter sido com muita naturalidade.

— Ótimo — disse Noland. — Uma batalha de dois contra dois, em dupla, é o que eu proponho. Quem tiver os dois membros de seu time incapacitados é derrotado. Está de acordo?

— Sem objeções.

Noland deu um sorriso de canto e lançou seus dois Pokémons escolhidos na arena, um Rhydon e um Pinsir. Sapphire se surpreendeu ao ver duas criaturas incomuns em Hoenn. Miriam, por sua vez, já era familiarizada com aquelas espécies.

— Você não parece surpresa como alguém que vê dois Pokémons desconhecidos — o Cérebro da Fronteira observou. — Você é de Kanto.

— Acertou — Miriam respondeu com um sorriso discreto, ao mesmo tempo em que trazia seus parceiros para o campo.

Nidoqueen e Venomoth foram os escolhidos da menina. Eram quatro Pokémons de nível avançado na arena, o que fazia com que Ruby e Sapphire voltassem sua atenção ao máximo para a batalha.

— Parece que finalmente teremos serviço — disse o Venomoth. — Maggie, ainda bem que praticamos em dupla.

— Tem alguma coisa errada, Shin — a Nidoqueen respondeu enquanto olhava de relance para trás. — Sinto certo desconforto vindo da mestra.

— Seja lá o que for, cabe a nós passar para ela tranquilidade daqui do campo de batalha. Até que ela recomponha o foco nós vamos ter que nos segurar.

Sapphire e Ruby acompanhavam tudo de perto, encostados na cerca de ferro que separava a área de visitantes do campo de batalha. Estavam apreensivos devido à situação de Miriam, mas naquele momento a única coisa que podiam fazer era confiar nela.

Noland, por sua vez, se mantinha calmo. Já havia visto desafiantes de todos os tipos, nas mais variadas condições, e por isso já esperava por uma batalha fácil ao sentir que a garota estava com a cabeça em outro lugar.

— Qual o seu nome? — perguntou o Cérebro da Fronteira.

A menina nada disse, apenas estava parada no mesmo local com um olhar distante em direção ao chão. No instante seguinte, sacou duas Pokéballs do bolso e retornou Shin e Maggie, já se virando para deixar o local.

— Desculpa, no momento eu não posso te desafiar.

A atitude surpreendeu todos os presentes no local. Inclusive Ruby e Sapphire, mesmo eles sabendo que a amiga não estava estável. Noland ficou sem reação por alguns segundos, até que uma expressão de descontentamento tomou conta de seu rosto.

— Está me dizendo que vai desistir da batalha?

— Não estou em condições agora. Preciso resolver algumas coisas — a desafiante segurava um dos braços enquanto encarava o chão, sua voz mal saía.

Noland massageou as sobrancelhas por um breve período. O Cérebro da Fronteira tentou esconder a sua frustração, mas era claro para todos que ele não estava contente com aquela situação.

— Eu não sei o que aconteceu para deixar você desse jeito, mas nós temos compromissos e responsabilidades aqui. Eu não vivo só em função de estar à disposição de desafiantes. Primeiro cuide da sua própria cabeça para depois vir me desafiar. Não me faça perder meu tempo.

Aquelas palavras acertaram Miriam como um tapa. A garota mal conseguia olhar para Noland, muito menos para seus amigos. Um dos juízes de batalha tentou intervir na situação.

— De acordo com as regras da Batalha da Fronteira, uma vez que o desafiante adentra a arena o desafio começa. Desistência implicará na sua desclassificação da competição — ele dizia até que foi interrompido por Noland, que esticou o braço em sua frente.

— Isso quem decide sou eu — o homem então se virou para Miriam. — Resolva seus problemas e me desafie novamente. Mas eu vou te dar apenas esta chance. Que esse erro não se repita.

A menina não esboçou nenhuma reação, apenas saiu pela mesma porta que havia entrado, ainda com um olhar distante. Ruby e Sapphire logo saíram atrás dela, porém a perderam de vista assim que a amiga começou a correr em direção à floresta.

Miriam corria por dentro da mata fechada, afastando arbustos e galhos de árvores baixas com seus braços, ao mesmo tempo em que procurava algum local que fosse aberto e isolado do restante da ilha. Queria ficar sozinha, e então encontrou uma pequena área aberta com vista para o oceano.

Sentou-se na areia mesmo, encostada em um coqueiro, e ficou a encarar o mar enquanto abraçava as pernas e se encolhia como se quisesse sumir daquele mundo.

• • •

O sinal da escola primária de Vermilion tocou anunciando a hora do almoço. Enfim as aulas terminaram naquele dia, e restaria aos alunos apenas as atividades extracurriculares no período da tarde. Um grupo de meninas caminhava em direção ao pátio da frente, onde havia um jardim bem cuidado. Era lá que gostavam de ficar enquanto comiam, devido ao ambiente agradável proporcionado pelas plantas ao redor.

Aos poucos elas se acomodaram. Logo que começaram a comer, os assuntos começaram a ser debatidos. Aquele grupo tinha em comum a vontade de se tornarem treinadoras, o que não era comum em meninas daquela idade. Isso fazia com que elas fossem mais próximas.

— O ano está acabando. A partir do ano que vem eu vou poder entrar na Academia Pokémon, finalmente — disse uma das meninas.

— E como você vai fazer, Kimberly? Vai ter que se mudar pra Saffron? — perguntou outra, que estava logo ao lado.

— Não tem jeito, né? A Academia fica em Saffron, e não tem como eu sair da escola todo dia e viajar daqui até lá e chegar a tempo. Mas vai valer a pena, porque no fim eu vou poder seguir meu caminho como treinadora. E em Saffron eu poderei ver a Sabrina de perto, e quem sabe um dia ser igual a ela.

— Eu gostaria de ser como a Erika.

— Você parece levar jeito com plantas mesmo. Se eu não me engano, foi você quem sugeriu que começássemos a almoçar aqui. Não foi, Claire? — Kimberly sorria, enquanto a amiga acenava com a cabeça. — E você, Lucy?

Uma outra garota que estava lendo um livro ajeitou os óculos ao notar que tinha sido chamada na conversa.

— Agora que você falou eu nunca pensei nisso antes — ela então lançou um olhar de ponderação para o alto. — Mas eu gosto da Lorelei...

— A Lorelei também é incrível! — disse Claire. — E você, Miri? Quando se tornar uma treinadora, você quer ser igual a quem?

Miriam então abriu um largo sorriso, como quem esperava por aquela pergunta. Abriu sua mochila, e de dentro dela tirou um pequeno Raichu de pelúcia, que tinha em seu peito esquerdo um broche preso que imitava a Insígnia do Trovão, do ginásio de Vermilion. A menina ajeitou os seus óculos, estendeu os braços mostrando o brinquedo para as amigas e respondeu:

— Eu quero ser igual ao Tenente Surge!

As meninas se entreolharam, sem ter o que dizer sobre a escolha da amiga. Kimberly tomou a frente, tentando argumentar.

— Miri, você não acha o estilo do Surge meio... — a garota tentava encontrar a palavra certa para não causar um desconforto desnecessário. — Grosseiro?

— O estilo de batalha dele é de imposição e força — Miriam explicava. — Eu admiro a forma como o Tenente está sempre confiante, e como ele mantém a calma mesmo quando está sendo pressionado na batalha. Por isso ele raramente perde!

• • •

Com as lembranças de sua infância a garota riu discretamente. Lembrava de ter tido uma discussão com as outras meninas após isso, já que elas não aceitavam que Miriam se espelhasse em outro treinador que não fosse uma mulher bela e inteligente. Ela sempre gostou de ação, não era de ficar enrolando. Lembrou-se também de ter saído esbravejando, dizendo que quando todas estivessem disputando a Liga Índigo ela passaria por cima de cada uma como se fosse um trem desgovernado.

Miriam colocou a mão na testa e balançou a cabeça em negação.

— Até parece que eu tenho condições de me inspirar no Surge. Se o Tenente me visse assim ele me mandaria dar cinquenta voltas na cidade toda. Ele teria fritado aquela dupla da Team Aqua com um simples Thundershock, enquanto eu só consegui ficar paralisada de medo.

Depois de algum tempo vagando em pensamentos confusos a garota percebeu o som dos arbustos se mexendo atrás dela. Quando se virou para saber o que era, viu Sapphire e Ruby se aproximando. A garota vinha com uma expressão séria, enquanto o menino tinha dificuldades para passar por entre as plantas.

— Se alguma dessas plantas for venenosa, eu vou voltar dos mortos pra te assombrar, Sapphire! — o garoto esbravejava.

— Para de resmungar uma só vez! — Sapphire respirou fundo, antes de se voltar pra Miriam. — E quanto a você, vamos conversar um pouco.

Miriam nada disse, apenas ficou observando Sapphire se colocar ao seu lado.

— O que aconteceu para você ter desistido da batalha assim, tão de repente?

— Eu andei pensando depois de ontem e acredito que não sirvo pra ser uma treinadora. Por isso eu estou desistindo.

A decisão inesperada da garota colocou os dois amigos em choque. Miriam estava diferente, era como se fosse outra pessoa. Ruby não sabia o que fazer, enquanto Sapphire ficou apenas encarando incrédula a situação.

— Miriam, tem certeza disso? Eu não acho que você está sendo razoável — disse Ruby, tentando amenizar a situação.

— Eu não vou conseguir lidar com isso, eu não devia ter vindo pra cá. Eu acho que vou voltar pra Kanto e... — a fala da menina foi interrompida bruscamente pelo susto que levou ao se ver puxada por Sapphire, que agora a segurava pela gola da camisa.

— Isso é algum tipo de brincadeira, Miriam? — a voz de Sapphire estava áspera e seus olhos pareciam arder em chamas, de uma forma que seus dois parceiros de viagem nunca haviam presenciado. — Você acha que pode desistir assim e ir embora como se nada tivesse acontecido?

Miriam não disse nada, apenas encarava Sapphire com uma expressão de desconforto. Ruby estava atônito, jamais se imaginou naquela situação, até pela boa relação que as duas garotas possuíam entre si, então não sabia lidar com aquele clima tenso.

— Escuta aqui, várias vezes quando você esteve ausente eu e o Ruby conversamos sobre a nossa jornada, e várias vezes nos vimos falando o quanto você acrescentou ao nosso grupo, o quanto você me ajudou com o treinamento para o ginásio de Rustboro e o quanto ajudou o Ruby com o treinamento para o primeiro contest dele. Como acha que a gente se sente vendo você nesse estado?

— Eu não quero que aquilo aconteça de novo, não quero ver minha vida em risco por causa de algo com o qual eu não tenho nada a ver...

— Então treine pra ficar mais forte e evitar que isso aconteça de novo! É isso que eu decidi fazer! Acha que eu não fiquei com medo do que aconteceu ontem também? Eu e o Ruby acabamos de sair de casa, largando uma vida segura e confortável para trás. Como você acha que a gente se sentiu depois do que passamos ontem?

Miriam olhou para Ruby brevemente. O garoto estava sem graça, então desviou o olhar para o lado. Sapphire puxou a gola da companheira com mais força e continuou a falar.

— A gente te conhece há pouco tempo, é verdade, mas você é uma referência para nós! Ver você dizer que vai desistir desse jeito é a mesma coisa que ver você pisar nos nossos sonhos, porque você nos ajudou a torná-los possíveis! E não importa o quanto eu respeite ou admire a pessoa, eu não vou deixar ninguém passar por cima dos meus sonhos.

Miriam virou seu olhar para baixo, com uma expressão pesada e continuou quieta. Sapphire já sentia seu sangue ferver à medida que o silêncio da amiga a incomodava.

— Vai continuar sem dizer nada?

Assim que fez a pergunta, Sapphire sentiu o pulso que segurava a gola de Miriam ser agarrado por uma das mãos da amiga, com uma força que chegava a machucar. A menina, antes quieta, começou a gargalhar descontroladamente, quase como uma risada diabólica.

— O que é isso? — indagou Sapphire, sem entender nada, até que Miriam levantou o olhar para ela com um sorriso quase em tom de deboche.

— Quem você pensa que é pra me segurar pela gola, novata?

Sapphire pareceu surpresa ao ver a repentina alteração de humor de Miriam, mas logo devolveu o mesmo sorriso.

— E quem você pensa que é pra passar por cima dos meus sonhos, gringa?

Ruby, que apenas observava o desenrolar da cena, preferiu não se intrometer.

— Eu devo ter algum encosto. Só atraio gente doida — disse o garoto, dando um tapa na própria testa.

• • •

As portas da Fábrica da Batalha se abriram, revelando mais uma vez Miriam, Sapphire e Ruby. A desafiante desta vez tinha um olhar focado e encarava Noland diretamente nos olhos.

— Sendo bem sincero, achei que você não voltaria — comentou o Cérebro da Fronteira.

— Achou errado, otário! — Miriam agora sorria confiante, já sacando as Pokéballs para a batalha. — Vamos ao que interessa, que sou eu chutando a sua bunda e conquistando esse símbolo da fronteira!

Em um breve instante os Pokémons de cada um já estavam na arena para dar início à batalha. Sapphire e Ruby ainda estavam apreensivos. Cérebros da Fronteira eram mais poderosos que os líderes de ginásio, alguns inclusive chegavam a ser comparados com membros da Elite dos Quatro das regiões. Mas Miriam era experiente e já parecia estar com a cabeça no lugar.

— Vamos começar isso logo — Miriam estendeu o braço para dar a ordem a sua equipe. — Venomoth, separe aqueles dois com o Poison Powder! Nidoqueen, avance e use o Body Slam no Pinsir!

Shin soltou os esporos venenosos com pressão para que o alcance da técnica fosse aumentado e mirou bem no meio dos dois adversários, que foram obrigados a se afastar indo cada um para um lado diferente.

— Ela já começou com uma estratégia para separar o time adversário! — disse Ruby.

— A Miriam tem um estilo de batalha bem agressivo — Sapphire comentou enquanto observava atentamente a batalha. — Não deu pra reparar durante o nosso treino em Rustboro, mas agora que ela está levando as coisas a sério isso fica bem claro.

Maggie, por sua vez, disparou em direção a Pinsir. Apesar do seu tamanho, a Nidoqueen conseguiu pegar bastante velocidade devido ao impulso que tinha dado logo após o golpe de Shin, e por isso conseguiu chegar com rapidez até o adversário, que estava distraído tentando se esquivar do pó venenoso da mariposa.

Pinsir, porém, conseguiu se esquivar de última hora. O besouro tentou reagir rápido tentando acertar um Brick Break, porém Maggie se defendeu bem o suficiente para não sofrer muitos danos. Noland observava paciente os primeiros movimentos de Miriam. Ele gostava de estudar o adversário para depois planejar maneiras de controlar seu ímpeto.

Maggie e o Pinsir travavam uma batalha de força, cada um segurava os braços do outro tentando empurrar seu oponente para trás, mas a força de ambos era equiparável.

— Venomoth, dê apoio à Nidoqueen e use o Aerial Ace no Pinsir!

— Não confunda o Poison Powder com uma parede sólida — disse Noland. — Rhydon, intercepte aqueles dois com Rock Slide!

Várias pedras foram arremessadas na direção da dupla de Pokémons venenosos. Até mesmo o Pinsir teve que se esquivar para não ser pego pelo golpe do seu aliado. As pedras ultrapassavam os esporos venenosos, ajudando a dissipá-los.

— Não fiquem se gabando só porque colocaram essa poeira colorida na nossa frente — disse o Rhydon. — Ninguém aqui nasceu ontem!

O Pokémon de pedra, no entanto, foi tomado por uma aura púrpura e começou a levitar na arena. Em seguida, seu corpo foi arremessado para longe. Quando conseguiu se levantar, após bastante esforço, notou que Shin tinha seus olhos emanando uma energia de cor semelhante àquela que o envolveu.

— E você não fique se achando só porque conseguiu anular uma técnica que tinha apenas o intuito de atrasá-los — disse o Venomoth em resposta. — Nós viemos aqui com um propósito, e não sairemos sem antes cumprí-lo.

Maggie sorriu ao ouvir as palavras de sua dupla. Sabia que podia contar com ele para segurar o Rhydon enquanto ela tentava incapacitar o Pinsir. Mas o besouro tinha mais velocidade que ela, e por isso precisaria ficar atenta a qualquer tentativa de inverter a situação. Precisava manter a calma e usar a cabeça para tentar prever a movimentação de seu oponente.

— Você não é conversador igual ao seu parceiro — disse a Nidoqueen, recebendo de volta apenas o silêncio de Pinsir. — Que seja, eu não preciso que você diga nada, apenas saia da nossa frente para que a gente possa ganhar essa batalha de uma vez!

Maggie correu em direção ao oponente inseto e se atirou em cima dele com seu corpo. O besouro se esquivou em um movimento forçado, dando um salto para trás. Sua velocidade era bem maior, por isso tinha mais facilidade para desviar. Mas a Nidoqueen sorriu triunfante, deixando-o confuso.

Distraído, o Pinsir não notou Shin aparecer em suas costas. A proximidade entre os dois era suficiente para um golpe direto de quem fosse mais rápido.

— Vai dar um descanso! — o Venomoth então lançou uma nuvem de poeira que deixou o adversário atordoado.

Shin então se afastou e Pinsir caiu adormecido no chão. Rhydon enfim conseguiu se aproximar do centro da batalha de novo e se colocou na frente do aliado para tentar protegê-lo enquanto estivesse naquele estado, quando foi a vez de Maggie tomar a iniciativa de ataque.

— Acabe com isso agora! Earth Power! — gritou Miriam.

A Nidoqueen saltou e desferiu um golpe direto para a direção de baixo. Não acertou os oponentes diretamente, mas a sua intenção era justamente criar um abalo no chão. Toda a estrutura da arena tremeu, e uma fenda se abriu. Rochas emergiram brutalmente de dentro do buraco, acertando Pinsir que estava indefeso e o levando a nocaute. Rhydon conseguiu se esquivar de última hora, mas o tremor foi suficiente para abalar a sua estrutura corporal.

— Pinsir fora de combate! — anunciou o juiz de batalha. — O Cérebro da Fronteira Noland possui apenas Rhydon em condições de batalha!

Ruby e Sapphire vibravam muito com a vantagem que Miriam havia conseguido. A desafiante sorria em tom de triunfo, percebendo que a batalha estava se encaminhando para um final favorável. Shin e Maggie também pareciam aliviados de terem se livrado de um adversário, mas ainda se mantinham atentos para qualquer tentativa de anular a vantagem por parte de Rhydon.

— Falta só um — sussurrou a Nidoqueen. — Aguente mais um pouco, Shin. Vamos vencer essa!

— Você é quem está ofegante e eu que tenho que aguentar mais um pouco? Heh, que irônico.

Noland retornou Pinsir para sua Pokéball. Estava em desvantagem agora que um de seus Pokémons havia sido derrotado. Mesmo assim o Cérebro da Fronteira mantinha a calma. Estava acostumado a lidar com situações de desvantagem, e não entregaria aquela batalha tão fácil.

— Tenho que reconhecer que você é habilidosa, mas a batalha ainda não terminou. Rhydon, Earthquake!

A criatura de pedra pisou com força no chão, fazendo com que um forte tremor se iniciasse. Shin alçou voo para não ser pego, enquanto Maggie não tinha pra onde fugir, ou sequer algum movimento defensivo que a fizesse diminuir os danos. A roedora caiu de joelhos, bastante desgastada, mas ainda em condições de continuar.

Rhydon se aproveitou da brecha para forçar o combate próximo contra Shin e tentar tirá-lo de vez da disputa.

Horn Drill! — Noland ordenou.

— Venomoth, intercepte o ataque! — Miriam tentou logo dar um comando em resposta.

Shin via o Rhydon adversário se aproximando com um ataque que decretaria sua derrota instantânea caso acertasse. O inseto, porém, manteve a tranquilidade. Tudo a sua volta pareceu desacelerar, enquanto ele pensava em uma saída.

— Se eu contra-atacar com Sleep Powder eu consigo pará-lo de uma vez, mas a probabilidade de acertar esse ataque é menor. Já funcionou uma vez contra aquele Pinsir, não acho que esse aí cairia no mesmo truque. O Poison Powder tem mais chance de surtir efeito, mas o risco dele seguir com o ataque até o fim é alto. Eu teria que deixar o resto por conta da Maggie.

Sua mente trabalhava em um ritmo incomparável. Shin era capaz de realizar uma leitura tática com uma velocidade tão grande que conseguia fazer isso durante uma batalha, ampliando muito a sua capacidade de improvisar soluções.

— E se eu repelir esse sujeito e ainda puder causar dano? — a mariposa sorriu. — Decidido. Será o Psychic de novo.

Momentos antes de Rhydon colidir com Shin, os olhos do Venomoth começaram a brilhar novamente, fazendo com que o primeiro fosse impedido de seguir com sua trajetória. Em seguida, o Pokémon de pedra foi arremessado violentamente contra o chão, criando uma cratera rasa, mas ainda assim a queda causou bastante dano.

— Maggie, agora! — Shin alertou sua parceira sobre a oportunidade criada.

Rhydon ainda tentava se levantar quando notou a aproximação da Nidoqueen. Ela saltou em direção a ele segurando uma das rochas que ela mesma havia criado quando usou o Earth Power. Aquela, no entanto, era uma outra técnica chamada Superpower, considerada super efetiva contra Pokémons do tipo pedra.

O golpe acertou em cheio, levando Rhydon a um nocaute imediato. Maggie estava ajoelhada, ainda abraçada à rocha, enquanto Shin permanecia atrás dela, observando o desfecho da luta.

O juiz de batalha aguardou alguns segundos, mas logo confirmou o fim daquele confronto ao erguer a bandeira que representava o lado de Miriam.

— Rhydon fora de combate! O Cérebro da Fronteira Noland não possui mais Pokémons disponíveis para batalha. Vitória da equipe desafiante!

A menina correu para dentro do campo de batalha em direção aos seus companheiros de equipe. Ela os abraçou enquanto dava uma risada de felicidade, mas ao mesmo tempo de alívio.

— Vocês são incríveis! Eu não sei o que faria sem vocês dois.

Noland se aproximou de Miriam com um sorriso estampado no rosto. A garota se virou para o Cérebro da Fronteira, ainda descontente com o que havia ouvido mais cedo. O homem retirou do bolso de seu jaleco uma pequena insígnia de cor dourada, com três losangos cunhados em baixo relevo.


— Antes de te entregar isso, você ainda não me respondeu a pergunta que eu te fiz antes de adiar a batalha.

— Hã? — a menina pareceu confusa. — Que pergunta?

— Seu nome.

— Ah, claro! Me chamo Miriam.

— Certo, Miriam. As coisas que disse mais cedo, não foram por razões pessoais. A Batalha da Fronteira não é um desafio fácil, existem outros Cérebros ainda mais rigorosos que eu. Por isso eu me sinto no dever de testar o lado emocional do competidor quando descubro que sou o primeiro a enfrentá-lo. Eu realmente achei que você não voltaria, mas você veio e me surpreendeu com uma ótima batalha. E é por isso que eu entrego a você agora o Símbolo do Conhecimento, a prova de que você superou o desafio da Fábrica da Batalha.

A menina recebeu o símbolo da fronteira das mãos de Noland. Era o primeiro passo que ela dava para concretizar o seu objetivo de ser uma treinadora certificada por uma das mais importantes e desafiadoras organizações de treinadores.

— A sabedoria também se faz necessária quando precisamos resolver conflitos internos — Noland prosseguiu. — Espero que carregue isso para o seu futuro. Você é brilhante em batalha, e se continuar nesse caminho a tendência é amadurecer e ficar ainda melhor. Espero receber notícias suas em breve dos outros Cérebros da Fronteira. Foi um prazer enfrentá-la.

— Eu que agradeço, e pode ter certeza que você ainda vai ouvir meu nome de novo. Ainda faltam seis símbolos.

• • •

Já estava na metade da tarde quando o trio se reuniu com Briney na praia. O sol já não era tão forte, e o vento vindo do mar já era um pouco mais fresco. O velho havia ficado para cuidar do barco enquanto Miriam cuidava de seus afazeres, o deixando preparado para quando os jovens retornassem.

— Conseguiram o que queriam aqui? — perguntou o navegador.

— Aye, capitão! — Miriam agora exibia sorridente o seu símbolo da fronteira.

Briney não perguntou nada. Apenas se sentiu aliviado ao ver que o bom humor dos treinadores havia retornado. Talvez não viesse a saber o que aconteceu dentro daquela ilha, mas pelo menos sabia que o trajeto até Dewford teria um clima mais leve, mesmo que ainda tivesse que resolver questões sobre a noite anterior quando chegasse lá.

O capitão recolheu a âncora, e assim a embarcação partiu em direção à ilha onde Sapphire enfrentaria seu segundo ginásio. A cidade não estava longe, já haviam percorrido mais da metade do caminho.

— Talvez a gente chegue a tempo de arrumar um lugar pra dormir por lá — disse Briney, deixando os jovens eufóricos.

— Quando chegarmos ao Centro Pokémon reservamos os quartos — falou Ruby. — Mas já vou avisando que eu vou ser o primeiro a tomar banho.

E assim o barco seguiu a todo vapor, cruzando o vasto oceano em direção à próxima parada. Apenas algumas horas os separavam do porto de um dos principais pontos turísticos de Hoenn. Dewford estava logo à frente, com alguns encontros interessantes marcados pelo destino.

FIM DO CAPÍTULO 13

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Notas do Autor - Capítulo 12


E aí, meus queridos? Tudo bem?

Esse capítulo 12 já estava há muito tempo pronto para ser publicado, mas eu resolvi aguardar a conclusão do 13 (que sai na sexta-feira que vem!) para poder postar os dois em sequência. Isso porque eu acho que pra ler o 13 com a intensidade que eu espero, vocês teriam que ter esse aqui bem fresco na memória, até porque o que aconteceu aqui foi um pouco fora do roteiro habitual que a gente vinha tendo em Hoenn.

Introduzindo a Team Aqua! Sim, eles que ficaram tão esquecidos na antiga Aventuras em Hoenn. Agora eu planejo balancear bem os holofotes entre as duas equipes vilãs, pois eu acho que isso será interessante para o que eu estou pretendendo. Continuo achando que ambos têm objetivos bizarros, mas acho que dá pra fazer algo legal com eles assim mesmo. Quem sabe no futuro vocês não descobrem?

E vocês esperavam que eles fossem fazer aquelas ameaças? Eu não. Simplesmente saiu. Pensei em um Pokémon legal pra fazer o Archie se aproximar do barco do Briney. Tinha que saber usar o Haze ou o Mist. Daí veio Tentacruel. Coloquei ele, e foi o Tentacruel que desencadeou toda a cena seguinte. Interessante como o capítulo muda de última hora por causa de um pequeno detalhe que a gente coloca, não é?

Achei interessante como muita gente que leu o capítulo ficou com aquela impressão de que a Miriam ia armar o barraco e lançar uma fucking Nidoqueen no barquinho de pesca do Briney! Em circunstâncias normais ela faria isso mesmo, sinal de que vocês conhecem bem a personagem kkkkk Mas ali era uma situação de vida em risco, e ainda que seja a mais velha dos três, ela ainda tem dezesseis anos. Acho que mesmo que eu tivesse a idade do Briney eu ia me borrar de medo do mesmo jeito...

E antes de finalizar eu tenho que dizer uma coisa.

Agora sim a jornada em Hoenn começa de verdade:

Água, água e mais água...

Obrigadão pelo apoio de sempre, pessoal! E até a semana que vem! õ/

Capítulo 12

Águas turvas

O trio continuava sua viagem através da Rota 104 indo em direção ao sul para pegar uma embarcação para a Dewford, uma pequena cidade insular que não só era um ponto turístico bastante frequentado de Hoenn, como também abrigava o próximo ginásio que Sapphire pretendia desafiar.

A estrada não era tão longa, porém o incidente com o Taillow acabou atrasando o progresso do grupo, que se viu obrigado a acampar para continuar a viagem no dia seguinte.

A noite foi incômoda. O fato de a rota ser costeira fez com que os três fossem atingidos por ventos gelados vindos do mar durante a madrugada, causando um desconforto já que eles não estavam preparados para aquele frio. Foi necessária a ajuda de Dan para aumentar a fogueira e evitar uma situação que pudesse prejudicar a saúde dos treinadores.

O sol finalmente surgiu no horizonte. Olheiras tomavam conta dos rostos de Sapphire, Ruby e Miriam. O cansaço tornaria aquele dia bem mais longo, e eles sequer estavam considerando o fato de que passariam o tempo todo em alto-mar.

Seguiam pela estrada de terra, cambaleando de sono pela noite mal dormida até que encontraram uma humilde cabana anexada a um cais na saída dos fundos, com um barco de pesca ancorado. A primeira coisa em que repararam era o estado da casa, que dava a impressão de que seria varrida pelo vento na próxima tempestade.


— Tem certeza de que alguém mora aqui? Acho que nem Pokémons insetos teriam coragem — comentou Ruby.

— Pode pensar o que quiser, só tenha modos quando estivermos lá dentro — Sapphire repreendeu o amigo.

— Já olhou pra essa espelunca? Se estiver faltando modos com alguém aqui, certamente não sou eu!

— Prefere ir para Dewford como, então? Nadando? Então vai e seja feliz virando comida de Sharpedo. Agora se for pra ficar aqui é bom fechar o bico, antes que eu te dê um soco!

— Ok, vou ficar quieto — Ruby fez uma pausa antes de sussurrar uma última palavra. — Troglodita...

Sapphire fingiu não ter ouvido o insulto e deu três batidas leves na porta, da forma mais delicada possível para que a mesma não despencasse sobre sua cabeça. Passos foram ouvidos de dentro da casa, assim como o ranger das tábuas do assoalho.

Poucos segundos depois a porta se abriu, revelando a figura de um velho carrancudo que tinha cheiro de cigarro e segurava uma lata de cerveja. O homem analisou cada um dos jovens, coçou sua longa barba grisalha e deduziu:

— O que três crianças estão fazendo na porta da minha casa? Se chutaram alguma bola pra dentro do meu quintal eu não vou devolver. Vão comprar outra e tomem mais cuidado, podia ter quebrado uma janela.

Quando a porta já ia se fechando, Sapphire se atirou contra ela para impedir o velho de ignorá-los. Controlando seu estresse a menina sorriu forçadamente, tentando manter a educação.

— Você por acaso seria o Sr. Briney, que faz um serviço de transporte pra quem quer ir a Dewford?

— Eu mesmo — o homem por um momento desistiu da ideia de fechar a porta na cara dos três visitantes. — Posso ajudar?

— Nós gostaríamos de pegar uma embarcação pra lá, fazendo uma pequena parada nessa ilha aqui — dizia Miriam, enquanto apontava um local no mapa da região para Briney. — Sabe onde fica?

— Sim, eu conheço essa ilha, mas não me lembro de ter visto nada interessante por lá. Se quiserem ir tomar banho vão direto para Dewford, lá tem praias tão bonitas quanto e vocês ainda estarão seguros com salva-vidas por perto.

— Na verdade fui informada que há uma instalação da Batalha da Fronteira lá, então preciso ir verificar.

— Batalha da Fronteira? O que é isso? — indagou Briney. — É mais um daqueles jogos de suicídio que os jovens ficam participando em vídeos na internet?

— Não exatamente — disse a menina, em seguida sussurrando com um sorriso sem graça — mas você acertou em cheio na parte do “suicídio”...

— Vai conseguir levar a gente? — Sapphire parecia apressada.

— Certo, certo... — Briney então cedeu. — Mas vou precisar de um momento para preparar o barco. Enquanto isso vocês podem entrar. Melhor do que ficar aqui fora esperando.

Os quatro então entraram na casa do velho. Como já era de se esperar da primeira impressão que tiveram dele, a organização não era o seu forte. Algumas roupas jogadas no sofá da sala, a louça suja empilhando dentro da pia da cozinha e alguns vestígios de comida espalhados pelo chão davam o tom de desleixo. Isso sem contar o cheiro de mofo que agredia os jovens, quase os impedindo de respirar adequadamente.

Enquanto Briney pegava alguns equipamentos para levar para o barco, ele negociava com os treinadores novatos o valor da viagem. Como previsto por Sapphire, o valor dividido pelos três era bem acessível.

Quando já se preparavam para sair uma pequena criatura entrou voando pela janela, o que no momento assustou os viajantes. Era uma pequena Wingull, para quem Briney fez um aceno.

— Peeko, já estava na hora! Vamos zarpar daqui a pouco!

Com ajuda dos mais jovens, o velho conseguiu organizar tudo para que pudessem seguir viagem sem maiores problemas. O trajeto normalmente levaria dois dias para ser concluído, então foi necessário estocar comida o bastante para mantê-los em boas condições.

Sapphire e Miriam observavam o oceano com brilho nos olhos, já se imaginando em seus desafios futuros, enquanto Ruby encarava o navio com cara de poucos amigos devido ao cheiro de peixe que tomava conta do transporte.

Com todos já dentro da embarcação, inclusive Peeko que se mantinha pousada acima da cabine do piloto, Briney subiu a âncora e iniciou a viagem. Pela primeira vez desde o início da jornada, o trio desbravava Hoenn pelas águas.

— Se segurem crianças! — Briney alertou com uma risada. — Agora vocês estão nos meus domínios!

O barco começou a acelerar, por vezes até flutuando brevemente ao quicar em ondas menores. Sapphire desprendeu o cabelo e deixou que o vento os carregasse. Sorria satisfeita com aquela experiência. Ela já tinha tido contato com o mar antes, mas nunca de forma tão íntima.

A menina notou a expressão emburrada de Ruby, que estava sentado abaixo da janela da cabine de pilotagem, andou até ele e lhe deu um peteleco na testa.

— Qual o seu problema? — o garoto reclamou.

— Vai ficar a viagem inteira de cara fechada? Aproveita um pouco!

— Isso aqui está imundo — Ruby cochichou no ouvido de Sapphire para que Briney não escutasse. — Acha que eu vou ficar feliz de navegar em meio a tanta sujeira?

— Ruby, você tem que ser menos certinho. Se saímos em jornada, é porque abrimos mão de alguns confortos. E não vamos ficar nesse barco por muito tempo. Vamos fazer uma parada para a Miriam ter o desafio dela na Batalha da Fronteira e depois vai faltar pouco para chegarmos em Dewford.

— Mal posso esperar para chegar logo e poder dormir em uma cama decente no Centro Pokémon — o menino então tirou a sua touca para que a mesma não saísse voando com o vento, e a guardou dentro da mochila. — Eu ainda tenho que me acostumar a certas coisas.

Miriam estava sentada em outro canto do barco, brincando com sua Mudkip. Ela parecia se divertir com o jeito atrapalhado que a pequena anfíbia andava ao seu redor. Como era um Pokémon inicial de nível mais baixo era perigoso deixá-la participar da batalha que se aproximava, então a menina aproveitava o tempo livre para interagir com seu novo Pokémon.

Em dado momento já não era mais possível enxergar faixas de terra no horizonte. As horas passavam devagar, torturando a mente dos jovens que não estavam habituados àquele tipo de viagem. Briney já encarava tudo aquilo com naturalidade, mas os três viajantes já pareciam ter gasto toda a lista de passatempos para distraí-los durante o trajeto.

Quando a noite chegou, Briney guiou Ruby, Miriam e Sapphire para um andar inferior da embarcação onde ficavam alguns quartos improvisados. O velho afirmava que navegar durante a noite era arriscado naquela rota, por conta de algumas estruturas rochosas que se erguiam de dentro d’água. Aquilo era um sinal de que o conjunto de ilhas já estava próximo, porém ainda não valia a pena correr o risco. Era melhor se aproximar do local pela manhã, quando a visibilidade estivesse mais favorável.

O tempo foi passando, os três estavam dormindo e apenas Briney permanecia do lado de fora do barco. Não se incomodava com a fria brisa litorânea da madrugada, já era habituado àquele clima devido aos seus longos anos de navegação. A escuridão era quase total. De iluminação apenas uma solitária lâmpada acesa na cabine de pilotagem, e do lado de fora a luz da lua. O silêncio só não era total devido às leves ondas que balançavam o barco com tamanha suavidade que o homem poderia dormir ali mesmo que não se incomodaria com o chão duro.

Peeko dormia encolhida em um poleiro. Briney fumava um cigarro enquanto olhava para o nada, divagando sobre variados assuntos. O velho só foi desperto de seus pensamentos quando percebeu uma mudança repentina no ambiente à sua volta.

— Mankeys me mordam! O que é isso?

Nunca em toda a sua vida havia visto uma neblina se formar tão rápido. Em poucos segundos a visão que tinha do horizonte já estava turva, e o único som que ele conseguia ouvir era a água sendo mexida de forma estranha do outro lado do barco.

Ele se apressou para dar a volta para o outro lado e, pouco antes de chegar, ouviu um baque que fez o barco balançar, seguido de outro barulho semelhante. Era como se alguém tivesse pulado para o barco de Briney vindo de algum lugar mais alto.

Quando chegou à lateral oposta foi que o velho navegador percebeu a presença de duas pessoas dentro da embarcação, e do lado de fora uma silhueta enorme. Quando foi se aproximando com um cano de ferro na mão, a criatura que estava do lado de fora do barco o agarrou com um de seus tentáculos e o prendeu contra a parede da cabine.

— Que merda é essa? — o homem sentia seu ar indo embora aos poucos enquanto o tentáculo o estrangulava devagar.

A criatura que o agarrava, no entanto, cessou o ataque ao ouvir um comando para parar, porém ainda o manteve preso. Mais alguns segundos e Briney teria perdido a consciência, porém mal teve tempo de se recompor e teve que voltar a sua atenção para a aproximação de duas pessoas. Peeko, desperta pelo barulho da invasão, voou até Briney e pousou por perto, observando preocupada a cena.

— Ora, ora, o velho capitão e seu Pokémon — uma voz grave e de tom malicioso foi ouvida, enquanto as duas silhuetas humanas se aproximavam de Briney.

— Quem é você?

— Não se lembra de mim? Você nunca teve essa preocupação em não ferir os sentimentos dos seus amigos, não é mesmo? Estou ofendido.

Ao terminar a aproximação, as figuras ficaram mais nítidas para Briney. Um homem alto, musculoso e de pele parda. Possuía uma barba escura e usava na cabeça uma bandana azul com um símbolo de um osso que lembrava a letra A. Suas vestes se assemelhavam a um traje de mergulho modificado, de cor azul escura. Ao lado dele uma mulher com roupas e tom de pele semelhantes, longos cabelos negros com mechas azuis e um olhar sedutor, enfatizado pelo seu belo rosto.

Briney pareceu não reconhecer a mulher, mas ao olhar para o homem sua expressão foi de espanto. O velho ficou estático ao notar quem havia invadido seu barco na calada da noite, e quando saiu do estado de choque inicial não escondeu uma expressão de desgosto.

— Archie, o que você veio fazer aqui? Por acaso estava me seguindo?

— Não, mas digamos que foi conveniente seu barquinho de pesca cruzar nosso campo de visão. Desde quando se aposentou e saiu da Marinha você tem algo que eu quero. Algo que você levou embora de lá.

— Seja lá o que eu tenha, o que um desertor como você vai querer de um documento sobre a Marinha?

— E quem disse que é um documento sobre a Marinha? É um documento que estava em posse da Marinha, e eu sei que agora está com você. Me entregue o mapa para o navio encalhado na Rota 108.

Briney se assustou ao ouvir Archie mencionar o mapa. Para ele, aquilo era um segredo que apenas o alto escalão sabia.

— O que você pretende fazer com esse mapa? Pra que você quer ir até aquele navio? Não há nada de valor por lá.

— Se é o caso, então você não teria problemas em me entregar, não é? Onde está?

— Não está comigo.

Archie respirou fundo, tentando se manter paciente. Em seguida, virou seu olhar para seu Pokémon, dando apenas um comando.

— Tentacruel, vamos apertar um pouco as coisas e ver se esse velho vai falar.

A criatura marinha começou a apertar Briney com mais força, fazendo com que ele gritasse. Sua posição naquele momento era complicada, pois estavam em alto-mar, sem ter para onde pedir ajuda.

— O mapa está na minha casa. Você sabe onde fica.

— Não minta para mim. Não acha que já invadimos aquele barraco enquanto você fazia suas viagens de pesca? Shelly!

A mulher que acompanhava Archie se aproximou de Briney, mas antes que ela pudesse fazer qualquer coisa a atenção de todos se voltou para Ruby, Sapphire e Miriam, que chegaram ao local com expressões sonolentas.

— Sr. Briney? Ouvimos um barulho forte e o barco começou a balançar. Aconteceu algum- o quê? — o garoto foi interrompido quando Tentacruel envolveu ele e suas companheiras, prendendo-os com seus tentáculos da mesma forma que Briney se encontrava.

— Olha só, que criancinhas adoráveis — Shelly abriu um sorriso de deboche.

— Por acaso você está trabalhando de babá agora, Briney? — Archie perguntou, também rindo.
— Chefe, eu acho que sei como fazer o velho colaborar.

Shelly sacou uma Pokéball e liberou um Sharpedo do lado de fora do barco. Ele possuía um tamanho acima da média documentada para a espécie. Nem mesmo Briney havia visto um daquele tamanho.

— Entendi, boa ideia — disse Archie com uma risada medonha. — Tentacruel, vamos brincar um pouco com essas crianças.

Tentacruel moveu os três viajantes para a reta da água. Sharpedo estava logo abaixo, os encarando de forma atenta.

— O que é isso, o que vocês estão fazendo? — Ruby começou a se desesperar, enquanto Sapphire gritava e se debatia e Miriam apenas olhava para baixo em choque.

— É bom vocês pararem com essa merda, Archie! Traga os garotos de volta para o barco!

— Se eu não trouxer você vai fazer o que? Não tem condição nenhuma de fazer exigências, ponha-se no seu lugar! — o homem vociferou. — Você vai nos dizer onde está o mapa, ou vai ser o responsável por esses jovens treinadores cheios de sonhos e esperanças serem despedaçados dentro d’água!

Briney se viu em uma encruzilhada. Teria que decidir entre um documento importante ou a vida de três pessoas, mesmo que tivesse acabado de conhecê-las. Sabia que jamais se perdoaria, qualquer fosse a sua escolha.

— O mapa está dobrado dentro de um livro. A capa do livro é preta e ele está dentro de um compartimento atrás do timão — o velho então cedeu.

— Vá verificar, Shelly — ordenou Archie.

Após alguns minutos a mulher voltou com o mapa em mãos, entregando-o direto para Archie. O homem sorriu ao ver o papel em suas mãos, abriu para conferir o conteúdo e quando se certificou de que realmente era o que queria fez o sinal para que Tentacruel soltasse Miriam, Sapphire e Ruby dentro do barco.

— Viu como foi simples? Nós temos o mapa, vocês têm suas vidas — dizia o homem. — Todos saem ganhando.

— Parece que finalmente você aprendeu a negociar com a Team Aqua — Shelly deu uma piscada para Briney com seu sorriso carregado de malícia enquanto caminhava para perto de seu líder.

Os dois ladrões subiram para cima de Tentacruel e começaram a se afastar do barco, com Sharpedo os seguindo. Briney os observava com as mãos apertando as grades de segurança do barco, enquanto seu sangue fervia. Archie e Shelly então desapareceram por detrás da neblina, que aos poucos começou a se dissipar.

Quando o velho olhou para trás viu os três jovens abalados com a situação que haviam acabado de passar. Miriam segurava o choro enquanto era amparada por Ruby, que também parecia prestes a desabar em pânico. Sapphire encarava o chão com uma expressão vazia, tremendo bastante.

— A gente ia morrer... — a voz de Miriam mal saía. — Eles iam matar a gente de verdade.

— Sr. Briney, o que foi isso? — indagou Ruby, se esforçando para não gaguejar.

Briney, com um pouco de esforço para controlar os seus braços trêmulos, conseguiu acender um cigarro. Ele estava tão confuso quanto os treinadores, embora para ele aquela história não fosse tão desconhecida.

— Team Aqua — disse o navegador.

Quando aquele nome foi dito pelo ex-marinheiro, Miriam o encarou com uma expressão de surpresa. Briney notou a atenção da menina, mas resolveu não perguntar de onde ela conhecia aquela organização. Não achava que era o melhor momento para aquilo.

— E o que são eles? — Sapphire perguntou, ainda tentando controlar sua voz trêmula.

— Uma espécie de seita que se criou há alguns anos onde seus membros se devotam à servir Kyogre, um dos três anciães da mitologia de Hoenn. A criatura lendária que dizem ter criado os oceanos.

— Então eles são um movimento religioso?

— Era o que a gente pensava, mas pelo visto o buraco é mais embaixo — Briney deu mais uma tragada. — Quando chegarmos a Dewford eu vou entrar em contato com o líder do ginásio local. Preciso reportar esse incidente à Elite 4.

E assim a noite seguiu, sem que nenhum dos quatro conseguisse pegar no sono. Estavam sozinhos em meio à escuridão, no meio do nada, temendo que um novo ataque pudesse ocorrer a qualquer momento. Mesmo com um belo luar, a noite pela primeira vez era inimiga dos viajantes.

FIM DO CAPÍTULO 12

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