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- Capítulo 36
Retomar o que foi perdido

A batalha feroz que se seguia no
ginásio de Rustboro estava próxima de seu desfecho. A Nidoqueen de Miriam
conseguiu segurar os ataques de quase todo o time de Roxanne, mas havia sido
derrotada pelo recém-evoluído Probopass da líder.
A desafiante se encontrava em uma
encruzilhada. Suas opções restantes eram muito arriscadas. Venomoth se fosse
acertado por um golpe do tipo pedra não resistiria, ainda mais por vir de um
Pokémon do mesmo tipo. Zangoose não tinha nenhum golpe que pudesse ser efetivo,
e Mudkip ainda estava abaixo do nível.
Ela decidiu por sacar a Pokéball de
Shin. Apesar do risco elevado, ainda era sua melhor escolha naquele momento.
— Por favor, tome cuidado — ela
sussurrou para a Pokéball antes de lançar seu companheiro a campo.
A mariposa se materializou na
arena, com a enorme bússola o encarando para ver como seu novo adversário
agiria. Mas Shin era igualmente paciente.
— Então você é o Hans? — o Venomoth
perguntou. — Não é à toa que você conseguiu derrotar Maggie. Você é bom mesmo.
— Então já ouviu falar de mim? — o
Probopass perguntou, curioso.
— Um velho amigo que batalhou
contra vocês uns meses atrás nos contou sobre sua força. Sabemos que você é
experiente. Mas eu sou bem paciente, não ache que vai tirar vantagem de uma
impulsividade que eu não tenho, diferente da Maggie e do Dante.
— Então foi o Dante quem te contou
sobre mim... — disse o Pokémon rocha relembrando sua batalha contra o time de
Sapphire. — Estive com ele há algumas semanas. Ele agora é um Combusken e
parece bem mais forte e maduro do que quando eu o conheci.
— Então ele evoluiu... É bom saber
que eles estão ficando mais fortes, nós queremos batalhar contra eles na Liga.
E pra isso o primeiro passo é te derrubar aqui e agora.
— Então venha, estou esperando.
Você pode não ser impulsivo como os outros, mas não muda o fato de que é você
quem precisa da insígnia.
Shin conseguia notar que o
Probopass era lento. Mesmo assim tinha informações suficientes sobre Hans para
saber que aquilo pouco importava, ou melhor, só era motivo para ser mais
cauteloso do que o normal. Sua intuição dizia para manter distância. Miriam
parecia pensar o mesmo, então ela logo deu o comando para que o Venomoth usasse
o Psychic.
Mesmo tendo conseguido lançar Hans
para longe e golpeá-lo com toda a força arremessando-o no chão, Shin não
percebeu que seu adversário aguentou o ataque e ao mesmo tempo colocou seu
plano em prática. Foi ao sentir pequenas vibrações vindas do chão que o inseto
conseguiu se esquivar voando para o outro lado, enquanto rochas brotavam do
solo no entorno de onde ele estava antes. Um segundo mais tarde e ele teria
sido pego pelo Rock Tomb, o golpe assinatura do membro mais poderoso do
time de Roxanne.
A líder de ginásio não teve nem
tempo de aceitar que seu plano final falhou. O Venomoth fez um voo rasante ao
redor de Hans, banhando-o com um manto de esporos que fez a criatura rochosa
perder a consciência. Pego pelo Sleep Powder, não tinha mais nada a se
fazer naquela altura. Mais um ataque com Psychic foi suficiente para
finalmente romper aquela muralha que se colocava entre os desafiantes e sua
primeira insígnia.
Quando o juiz da batalha finalizou
o confronto, tanto Roxanne quanto Miriam retornaram seus parceiros. A líder
caminhou até a mais nova já com a insígnia em mãos, e cumprimentando a
desafiante com uma sutil reverência a entregou o objeto.
— Por você ter andado junto com a
Sapphire naquela época eu acabei acreditando que você também era iniciante.
Estranhei quando você disse que não precisava nivelar os times, mas agora
entendo a razão. A força dos seus companheiros é assustadora.
— Eu já achava você uma excelente
treinadora quando a vi enfrentar a Sapphire, mas eu realmente não estava
esperando que fosse ser tão difícil assim. Não é de se admirar que muitos
sequer conseguem se classificar pra Liga.
— Obrigada pelos elogios. Acredito
que com essa capacidade que você tem, não terá problemas enfrentando os outros
líderes.
Enquanto Miriam e Roxanne
terminavam a conversa dentro da arena, uma outra pessoa acabava de chegar na
porta do ginásio. O rapaz de cabelos pretos mostrou na portaria o atestado de
aprovação que havia tido no exame de admissão.
— Muito bem, deixa eu conferir aqui
no sistema... — a recepcionista do ginásio pesquisava nas planilhas os dados do
desafiante. — Ok, acho que encontrei. Vince, é isso mesmo?
— Sim — disse o rapaz, em seu tom
seco habitual, deixando a mulher desconfortável.
— Certo... Vou comunicar a sua
chegada à senhorita Roxanne. Ela acabou de terminar um confronto. Provavelmente
você vai precisar esperar alguns minutos para que ela possa encaminhar seu time
para a recuperação, mas assim que possível ela irá atendê-lo para que possam
prosseguir com o seu desafio.
Vince fez apenas um breve aceno com
a cabeça, indicando que havia compreendido todas as informações. Ele agarrou a
alça transversal de sua mochila e caminhou até a porta que dava para a arena.
Ao virar o corredor ele trombou com
Miriam. O impacto forte entre os ombros dos dois treinadores foi o suficiente
para tirar o garoto do sério.
— Presta atenção, porra! — a
agressividade do seu tom de voz já subia. — Tá olhando pra onde?
Miriam sentiu uma veia no seu
pescoço pulando. Ela tinha um ponto fraco: não lidava muito bem com grosseria.
A garota, que até então estava sorridente com a conquista de sua insígnia, tão
rápido fechou a cara e começou a encarar aquele garoto arrogante como se lhe
desse uma sentença de morte.
— Tá pensando que é quem pra falar
assim comigo, moleque? — sem se intimidar, ela andou de volta até Vince até que
os dois ficassem frente a frente e com seus rostos próximos, olho a olho, numa
competição para ver quem se sentia intimidado primeiro.
— Então vai vir pra cima mesmo? — o
volume da voz do rapaz diminuiu, mas Miriam sabia que aquilo não era um sinal
de que ele estava cedendo, e sim de que estava se segurando para não explodir.
— A sua sorte é que minha batalha com a líder de ginásio está agendada para
agora, senão eu ia te destruir aqui mesmo.
— Não seja por isso — disse a
garota, mantendo o mesmo tom. — Termina aí a sua batalha que eu vou te esperar
lá fora. E aí a gente vai ver quem vai ser destruído.
• • •
A batalha durou pouco mais de
quarenta minutos. Vince saía pela porta da frente, ainda com a insígnia na mão
e um sentimento de triunfo. Mas o garoto se surpreendeu ao ver que Miriam ainda
o aguardava na entrada do ginásio. Ele pensava que a garota aproveitaria a
oportunidade para fugir, mas lá estava ela, olhando-o fixamente como se
estivesse focada em uma presa.
— Você tem até o final da tarde
para recuperar seu time no Centro Pokémon. A gente se encontra aqui no início
da noite.
— Não vai ser necessário — Vince
largou a mochila no chão, próxima a ele, já sacando sua Pokéball. — Tenho um
Pokémon que ainda não batalhou. Podemos fazer um contra um, já vai ser o
suficiente pra você se arrepender de não ter sumido quando teve a chance.
— O único favor que eu te peço é
que você faça pelo menos o mínimo pra me convencer de que você não é só
conversa — Miriam sacou sua Pokéball enquanto dava um suspiro. — Tem certeza de
que quer um contra um?
— Certeza — falou o rapaz, sacando
sua Pokéball. — É só o que eu preciso pra te ensinar a não desafiar alguém com
quem você não é capaz de lidar. Houndour, saia!
O canino preto tomou forma ao ser
chamado por seu treinador, já preparado em posição de ataque. Miriam observou o
Pokémon que estava em sua frente. Apenas com um breve olhar a garota já
conseguiu deduzir que, apesar de estar na sua forma inicial, ele era bem
treinado.
— Mudkip, vamos!
Ao sair de sua Pokéball, Niani se
colocou de prontidão para a batalha. Era evidente que ela estava mais preparada
do que das últimas vezes, o que sinalizava que o treinamento estava começando a
dar frutos.
Vince, por sua vez, não parecia nem
um pouco preocupado. Mesmo que Miriam e Mudkip tivessem a vantagem em
decorrência da tipagem da pequena anfíbia, para o rapaz aquilo não era
suficiente para desbalancear a batalha em desfavor dele.
— Inicie com Smog! — ao ser
comandado, Houndour disparou uma nuvem de gases poluentes na direção de sua
oponente.
Ao comando de Miriam, Mudkip
desviou com certa dificuldade, conseguindo escapar do ataque de última hora.
Vince não poupou esforços e, sem deixar que elas se recuperassem da primeira
investida, comandou novamente na intenção de pressioná-las mantendo uma
ofensiva constante.
— Feint Attack!
O canino avançou contra a Mudkip,
fazendo movimentos esquivos numa tentativa de confundi-la. A estratégia se
mostrou bem-sucedida, pois em dado momento Houndour conseguiu manipular sua
oponente para que mirasse em um possível caminho, quando na verdade ele a
atacou por outro.
Pega com a guarda baixa, Niani foi
arremessada para perto de sua treinadora, que não tinha uma expressão nada
amigável.
— Droga, ele é muito bom... —
murmurou a garota. — Cuidado, Mudkip! Ele tá vindo de novo!
— Ataque com Bite!
— Fique onde está e use o Water
Gun diretamente nele!
O disparo foi certeiro, e a
corrente de água bateu com força contra o peito de Houndour, fazendo-o recuar
sentindo o dano causado pela pressão do golpe. Tendo afastado seu oponente por
um instante, Mudkip conseguiu se levantar a postos para continuar a batalha.
Apesar do ataque ter sido bastante
efetivo, Vince não pareceu se abalar. Para ele, aquela tinha sido uma jogada de
sorte de Miriam, que no desespero procurou a maneira mais rápida de fugir
daquela situação. Ele conseguia ditar o ritmo da batalha, e isso o fazia ter a
consciência de que estava no controle.
— Mudkip, temos que aproveitar que
finalmente conseguimos sair da pressão dele — Miriam passava as instruções para
sua parceira. — Ele ataca impondo pressão para não nos dar tempo de raciocinar.
Os Pokémons dele conseguem fazer isso com rapidez porque são bem treinados e
possuem padrões e sequências de movimentos bem decoradas. Se a gente baixar a
guarda de novo, a coisa vai ficar feia...
Niani assentia, mostrando que
estava atenta à sua treinadora. Miriam sorriu satisfeita. A nova dieta que ela
havia passado para a pequena Pokémon aquática, feita para estimular a atividade
cerebral dela, estava surtindo efeito.
— Nossa vez de fazer pressão. Use o
Mud-Slap!
Vince percebeu o tamanho do risco
que Houndour corria ao ser atingido por aquele golpe. Além do canino ser frágil
ao golpe, o efeito colateral que ele poderia causar era o que mais o preocupava.
Para sua sorte, seu companheiro era ágil, não tendo problemas para executar o
comando de evasiva, evitando o disparo de lama.
— Water Gun! — Miriam
tentava dar o troco à pressão que havia sofrido pouco antes.
O novo jato de água acertou
Houndour no exato ponto para onde ele se esquivou, acertando-o com uma pressão
enorme. O cão foi derrubado e arrastado pelo chão por pouco mais de dois
metros, fazendo com que Vince pela primeira vez naquela batalha perdesse seu
semblante mais calmo. Mas ele não iria ceder naquele momento. O garoto respirou
fundo e não deu nenhum comando, apenas aguardando para ver o que Miriam faria.
— Tackle, rápido! Antes que
ele se levante!
E foi justo quando Mudkip chegou a
certa distância que Vince tomou sua ação.
— Desvie agora! Vá para as costas
dela!
— Merda, ele esperou pelo ataque! —
Miriam deixou escapar seus pensamentos, incrédula.
Quando Houndour chegou ao ponto
cego de Mudkip, Vince sorriu triunfante. Era a sua melhor oportunidade naquela
batalha, mesmo considerando o tempo em que ele empurrou Miriam contra a parede.
Aquela chance não poderia ser desperdiçada.
— Fire Fang!
Houndour fincou suas presas na nuca
de Niani, que deu um guincho breve e agudo devido à dor.
— Agora você vai ter o que merece —
disse o Houndour para sua oponente, sem soltá-la da mordida.
Niani tentou sacudir o corpo, mas
não conseguia se soltar do Houndour. Miriam estava atônita, beirando o
desespero ao pensar no dano que poderia ter sido causado. Como se já não
bastasse a mordida em si, que já tinha sido forte, ainda tinha o fato de ter
deixado uma queimadura séria na região atingida. Um verdadeiro estrago.
— Mudkip, aguenta firme! — gritou a
treinadora.
— Ainda... não! — a anfíbia
resmungava enquanto tentava resistir.
Vince não entendeu quando a
submissão parou de repente. Houndour largou a Mudkip e se afastou, como se
tivesse sentido algo estranho. Ninguém compreendeu o que estava ocorrendo até
que a pequena criatura aquática ficasse envolta por uma luz branca ofuscante.
Do pouco que conseguia enxergar, Miriam apenas identificava a silhueta mudando
de forma e crescendo em tamanho.
Sua companheira estava mais alta,
com uma fisionomia mais forte, e agora era bípede. Niani havia acabado de
evoluir.
Miriam encarava perplexa a nova
forma de sua companheira. Havia começado a treiná-la há pouco tempo, e por isso
nem percebeu o quanto ela tinha avançado. A treinadora acreditava que a
Marshtomp estar treinando com companheiros de time mais fortes que ela tenha
acelerado o processo.
— Mud Shot... — Miriam tinha
consigo uma PokéDex que possuía desde sua primeira jornada, ainda em Kanto, que
havia atualizado para introduzir as espécies de Hoenn desde sua chegada. — Vamos
tentar, então. Marshtomp, ataque com Mud Shot!
— Desvie, Houndour! Feint Attack!
— Ele vai aparecer atrás de você!
Agarra ele!
Assim que o canino chegou ao ponto
cego de Niani, a Marshtomp se virou rápido para segurá-lo com os braços. Miriam
cerrou o punho numa vibração discreta, acreditando que a tática tinha sido um
sucesso. Vince, no entanto, não perdeu a calma com a anulação do ataque de
Houndour, e continuou a comandar seu ataque.
— Fire Fang!
Houndour fincou suas presas
flamejantes em um dos braços da Marshtomp, que apesar de ser resistente àquele
tipo de golpe ainda soltou um grunhido baixo de dor. Mas, ainda assim, ela não
largava seu oponente. Só o faria quando Miriam a ordenasse.
— Water Gun!
O jato de água disparado contra
Houndour, além da alta pressão, ainda o acertou a queima-roupa. Daquela
distância e preso, não havia como desviar. Ele havia sido derrotado.
Vince sacou a Pokéball de Houndour
e o retornou. Em seguida, saiu sem dizer nada. Miriam também não estava focada
o bastante no garoto para aproveitar a chance de provocá-lo. A garota apenas
correu na direção de sua parceira, a envolvendo em um abraço, e logo em seguida
se soltando depois de ser repreendida pela companheira por não ter prestado
atenção e tocado no local onde havia a queimadura.
— Ai, desculpa! Eu esqueci! — mesmo
assim, Miriam colocou as mãos nos ombros da Marshtomp e a encarou com um
sorriso radiante. — Mas você foi incrível! Nosso treinamento está começando a
dar resultado! Desse jeito não vai demorar muito até que você consiga
participar com a gente da Batalha da Fronteira, Niani!
Um breve silêncio se fez no local.
As duas ficaram se encarando de perto, olho a olho, sem entender muito bem o
que havia acontecido. Niani parecia ter levado um susto, enquanto Miriam a
olhava com cara de paisagem.
— Por que eu te chamei assim? —
indagou a garota. — Será que eu fiquei doida? E por que eu tenho a sensação de
que esse é o seu nome? Marshtomp, seu nome é Niani?
A Marshtomp balançou a cabeça de
forma positiva, confirmando a pergunta de sua treinadora. Miriam pareceu mais
confusa ainda.
— E como eu soube disso?
— Porque você conseguiu ligar sua
mente à dela.
Miriam se levantou em um pulo,
assustada com a fala repentina de uma criança que a observava. Quando parou
para observá-la, notou que se tratava de um garoto que estava sentado em um dos
bancos da praça do ginásio. Ele não era alto, de modo que enquanto estava
sentado seus pés sequer tocavam o chão. Ele encarava Miriam com um sorriso
sereno, enquanto balançava as pernas.
— Como assim, “ligar a mente”?
O garoto pulou do banco e ficou de
pé. Miriam continuou agachada, pois assim ela conseguia se manter na altura do
menino. Ele continuou sua explicação.
— Quando um treinador e seu Pokémon
criam um vínculo de confiança muito forte, é possível ambos compartilharem seus
pensamentos. Como você ainda não tinha percebido nada do tipo, eu posso dizer
que o estágio de interconexão de vocês duas é inicial. Você descobriu o nome
dela dessa forma.
Miriam arregalou os olhos por um
breve momento, parecendo surpresa com aquela revelação. Ela nunca imaginou que
algo daquele tipo fosse possível. O menino continuava com a mesma expressão
suave. Mas a mais velha fechou sua expressão, agora emburrada.
— Você tá me zoando, né? Olha,
menino, eu não quero parecer grossa, mas eu preciso voltar ao Centro Pokémon.
Niani tá exausta da batalha que tivemos agora e eu preciso levar ela pra se
tratar... E eu disse o nome dela de novo.
— Uma pena, realmente — disse o
garoto, com as mãos para trás, enquanto se balançava com as próprias pernas. —
Você ia achar interessante que uma conhecida sua adquiriu essa capacidade há
pouco tempo.
— Conhecida minha?
— Sim, essa habilidade é raríssima.
Só treinadores com muito potencial a possuem. Tanto é que só existiam dois
treinadores ainda vivos aqui em Hoenn com essa capacidade. A Roxanne, que você
acabou de enfrentar, e o ex-Campeão Drake. No entanto, sua amiga Sapphire
conseguiu fazer a interconexão com Dante, o Combusken dela, faz pouco menos de
um mês.
Miriam sentiu seu coração quase
subir a garganta. Ela voltou a olhar para o garoto, com uma expressão realmente
assustada.
— Como você conhece a Sapphire e
como sabe que a gente se conhece?
— Eu a vi pela primeira vez em
Dewford. E vi que você estava junto dela e mais um garoto da mesma idade.
— E como sabe o nome dela?
— Do mesmo jeito que sei o seu,
Miriam. Mas isso é segredo, ainda vai demorar até eu poder te contar.
Miriam não podia estar mais
desconfiada. Se tinha uma coisa que trabalhar na Polícia Internacional a tinha
ensinado, era a suspeitar de civis que conseguiam dados de outras pessoas com
aquela facilidade. Mas sabia que não podia tomar nenhuma medida precipitada. O
que estava ao seu alcance naquele momento era apenas vigiar aquela criança
misteriosa.
— Já que sabe o meu nome, se
importaria de me dizer o seu?
— Claro, seria muito rude de minha
parte te negar esse pedido. Pode me chamar de Jiro.
A garota cerrou os olhos, já nem
escondia mais a desconfiança. O menino permanecia com a mesma serenidade de
quando havia se apresentado, inabalável.
— Nome antigo, hein... — disse a
menina. — E bem arrumadinho. Você é de alguma família tradicional daqui?
— Um dia eu te conto, mas hoje
ainda é cedo.
— Já vai embora?
— Sim, tenho mais coisas a fazer.
Mas não precisa ficar nervosa com o fato de eu saber sobre você e a Sapphire.
Eu não vou fazer mal a nenhuma de vocês. Não somos inimigos.
Quando Jiro já se virava para ir
embora, Miriam o chamou mais uma vez.
— Espere! Tenho mais uma dúvida.
— Sim?
— Supondo que seja verdade todo
esse lance de ligar nossas mentes, ainda tem uma contradição. Niani é uma
companheira de equipe recente. Por que eu desenvolvi essa conexão com ela,
enquanto minha Nidoqueen e meu Venomoth, que estão comigo há muito mais tempo e
estiveram do meu lado quando eu mais precisei, ainda não possuem essa ligação
comigo?
Jiro a encarou por um instante. O
sorriso sereno do menino agora dava lugar a uma expressão curiosa, pois ele
estava intrigado com a vontade de Miriam de saber mais sobre aquele assunto. O
menino deu um suspiro, já mostrando para a treinadora que talvez a resposta que
viria não fosse do agrado dela.
— Porque isso depende do quanto o
treinador está aberto a entender o coração de seus Pokémons. Nidoqueen e
Venomoth estiveram sempre ao seu lado. Mas você esteve ao lado deles?
Aquela pergunta acertou Miriam como
um soco na boca do estômago. A garota por um momento tentou retrucar, mas
sentiu que ia gaguejar e se manteve quieta.
— Miriam, me escute. O que te
impediu de criar essa ligação com a Nidoqueen e o Venomoth foi você se
fechando. Alguma coisa no seu passado que tenha mexido com a sua cabeça a fez
perder a confiança em si própria, ou até mesmo a confiança neles. Não sei o que
pode ter sido. Mas a verdade é que ultimamente você tem progredido, você está
resolvendo as pendências do passado e retomando o que foi perdido. Por isso
você conseguiu estabelecer esse laço com Niani primeiro. Você esteve mais
aberta à ela.
Jiro então se virou para ir embora
de vez. Já caminhando para a saída da praça, o garoto parou, e ainda de costas
para Miriam fez sua última fala.
— Mas a boa notícia é que a
primeira ligação é a mais difícil. Agora que você se conectou à Niani, a
tendência é que com os outros seja mais fácil. Mas tudo depende de você.
— Entendi — Miriam então fez uma
última pergunta. — E você sabe os nomes da Nidoqueen, do Venomoth e do
Zangoose?
— Sei sim — disse o garoto. — Mas
não vou te contar, até porque te atrapalharia. É quando você descobrir os nomes
deles que você vai saber que suas mentes estão ligadas. Agora eu vou indo, mas
vamos nos encontrar em breve. Até lá, continue fazendo o que você tem feito.
— E o que seria?
Jiro deu um último sorriso.
— Resolver o que você deixou em
aberto. O que mais seria?
E assim o menino caminhou de volta às ruas da grande Rustboro, deixando Miriam a observá-lo curiosa, até que ele desaparecesse em meio à multidão.
• • •
Após deixar seus parceiros sob os
cuidados da enfermaria, Miriam se dirigiu à cafeteria que funcionava no prédio
para poder comer alguma coisa. Devido ao dia cheio, sua última refeição havia
sido o café da manhã antes de sair para batalhar contra Roxanne, mas o outro
imprevisto que teve logo em seguida acabou tomando seu tempo e atenção pelo
resto do dia.
Faminta, a menina pegava de tudo um
pouco para poder suprir todas as suas necessidades, desde as reais como os
nutrientes até as mais banais, como seu desejo quase incontrolável de comer
alguma fritura, uma sensação de recompensa que ela julgava merecer depois de
suportar aquele dia pesado.
Levou a sua bandeja até uma das
mesas vazias, que ficava próxima a um televisor suspenso na parede. De início,
Miriam não deu muita bola ao que estava passando naquele momento, só viu que
parecia ser algum evento ou competição por conta do aspecto de arena do local
cercado por arquibancadas lotadas por um público eufórico. Se era algum torneio
ou algo do tipo ela não queria saber. Aliás, não queria saber de batalhas por
um bom tempo dali em diante.
Mas aos poucos a garota percebeu
que os olhares de todos ali estavam voltados para a transmissão, e sem
conseguir conter a curiosidade em saber o que estava deixando aquelas pessoas
tão vidradas, ela naturalmente se convenceu a prestar atenção ao que estava
ocorrendo. Até que percebeu que era um Contest.
Ela reconheceu de imediato a
coordenadora que se apresentava naquele momento, pois era a mesma que havia
visto em Rustboro, que saiu vencedora no primeiro Contest que Ruby havia
disputado. E por falar em Ruby...
— Será que ele está competindo
nesse aí? — Miriam sussurrou seus pensamentos enquanto pegava um sanduíche para
dar uma mordida. — Esses dois fazem falta...
As apresentações transcorriam um
coordenador de cada vez. Miriam notou que uma garota em particular, chamada
Vivi Winstrate, tinha vários admiradores. Muito se comentava sobre ela ter
estreado na temporada anterior e ter tido ótimos resultados, ainda que por
muito pouco não tenha conseguido se classificar para o Grande Festival. Até por
isso a treinadora logo entendeu que aquela menina se tratava de uma espécie de
estrela em ascensão, e que isso se refletia na popularidade dela que fazia até
mesmo a maioria dos presentes naquele refeitório tão longe do evento reagirem
com euforia, entre suspiros e vibrações, ao vê-la em ação.
E foi pouco depois da apresentação
de Vivi que o momento que Miriam tanto aguardava chegou. A garota se apoiou com
os dois braços na mesa para se levantar com rapidez e assistir de pé a
apresentação de Ruby.
— Esse garoto...
Miriam ouviu uma voz comentar sobre
a aparição de Ruby no contest, e quanto se virou viu que se tratava de Vince,
que estava sentado numa mesa próxima. Já desconfiada, a menina resolveu tirar a
prova se aquilo era apenas coincidência.
— Você conhece ele?
Vince olhou de relance para Miriam,
desconfiado com a repentina curiosidade da garota. Ainda que estivesse sem
paciência para puxar conversa, também não se sentia à vontade para provocá-la
de novo.
— Não, eu só lembro de ter visto
ele quando estive em Mauville pouco tempo atrás. Isso porque eu dei uma surra
no time da menina que anda com ele. Foi uma das batalhas mais entediantes que
eu tive. Ela apareceu querendo bancar a heroína e eu acabei com aquele time
meia boca dela. Fico triste por aqueles Pokémons terem uma treinadora que não
dá nem pra chamar de medíocre...
A fala de Vince foi interrompida
por um soco na mesa, logo a sua frente, que fez os pratos e utensílios que ali
estavam darem um pequeno salto e fazer uma barulheira que chamou a atenção dos
presentes. Quando o garoto se virou para cima, viu que aquele braço pertencia a
Miriam, que o encarava com um olhar furioso.
— Cuidado com o que você fala deles
dois. Você já sabe o que acontece quando tenta arrumar problema comigo, mas se
der um pio sobre eles a próxima vez que eu tiver que te educar eu não vou me
prender dentro das regras. Eu vou te machucar de verdade.
— Não é porque você me venceu uma
vez que eu vou ter medo de você, garota. Tá se achando muito.
Querendo evitar conflito dentro do
Centro Pokémon, Miriam apenas deu uma bufada e saiu de perto de Vince. Voltou a
se sentar onde estava antes, pois o mais importante para ela era acompanhar a
apresentação de Ruby. Ainda que acreditasse que tanto ele quanto Sapphire não
gostariam de vê-la tão cedo, a menina ainda nutria certo afeto pelos dois.
Sabia que era culpa dela a situação que se criou em Slateport, e por isso não
os culpava. Apenas torcia para que o tempo cicatrizasse aquelas feridas.
Miriam foi a única a berrar no
refeitório quando a vitória de Ruby foi decretada, atraindo alguns olhares
desconfiados dos fãs de Vivi e Emily. Os olhos dela brilhavam ao ver que aquele
garoto tímido e sem confiança estava começando a mostrar seu potencial. E ela
tinha o ajudado a dar o primeiro passo. Vince só revirou os olhos, sem muita
paciência para a empolgação da garota.
Já em seu quarto, ao anoitecer,
Miriam organizava a sua bolsa com os suprimentos de viagem, a fim de deixá-la
pronta para ir embora de Rustboro logo cedo. Quando a menina se deitou na cama,
com os braços cruzados apoiando a cabeça, ficou encarando o teto por um breve
momento. Sua cabeça mal tinha controle de seus pensamentos. Ainda pensava
naquele contest que havia assistido poucas horas antes.
— Se eu conheço bem aqueles
dois, eles vão deixar pra sair de Verdanturf amanhã... — pensou.
Miriam se levantou de repente,
pegando seu PokéNav que estava na mesinha ao lado da cama. A garota digitou
rapidamente no aparelho ao abrir um navegador e acessou o site do Comitê do
Grande Festival. Procurou pelos coordenadores cadastrados até chegar ao perfil
de Ruby. Ao ver que o garoto tinha duas fitas, Miriam acessou a página do
cronograma da temporada para ver o próximo contest de nível 2, e onde seria
disputado.
— Fallarbor... Droga, acabei de vir
de lá. Mas pelo menos ainda falta bastante tempo para ele acontecer. Talvez eu
consiga dar um pulo em Petalburg, desafiar o ginásio de lá e voltar... Será que
vai dar tempo?
Miriam se sentou novamente na cama
e respirou fundo. Ela se perguntava se era razoável fazer aquilo que ela estava
pensando, ou se estava sendo inconveniente. Mas lembrou das palavras de Jiro no
encontro com ele mais cedo. “Resolver o que ficou em aberto” e “retomar o que
foi perdido” eram as falas que martelavam na cabeça da menina. Ainda conseguia
ouvi-las com a voz do garoto, como se ele estivesse ao seu lado. E então ela
decidiu que deveria agir.
— Depois ficaria ruim ir pra
Dewford. Enfrentar o ginásio de lá ou o de Petalburg, vou ter que escolher um
dos dois... Enfrentar ambos ia me atrasar muito, eu não chegaria a tempo do
contest em Fallarbor. Preciso voltar lá de qualquer forma porque tem um Cérebro
da Fronteira perto.
Ela desligou seu PokéNav e ficou a
encarar o chão pensando na melhor opção que tinha. Mas uma coisa era certa: ela
estava decidida a voltar pra Fallarbor para se encontrar com Ruby e Sapphire.
— Eles podem pensar de mim o que
quiserem, mas eu vou até eles falar o que sinto sobre essa situação toda. Eu só
quero que as coisas voltem a ficar bem. E já sei pra onde ir.
• • •
Briney estava varrendo o chão da
sua cabana, num raro momento em que o velho se propunha a limpar aquela bagunça
característica do seu refúgio. Sua atenção só foi cortada quando ele ouviu
batidas fortes e rápidas na porta. Seja quem fosse, estava com pressa.
O ex-marinheiro a princípio ficou
desconfiado. As batidas desesperadas nem sempre eram um bom sinal, e com seus
anos de experiência na Marinha ele aprendeu a desconfiar de todos e tudo. Foi
abrindo a porta devagar para se certificar de que não era nenhuma pessoa
suspeita, mas se surpreendeu ao ver quem era.
— Miriam? O que você tá fazendo
aqui?
— Tenho uma missão que só você pode
me ajudar a cumprir, Capitão — a garota então puxou uma boa quantidade de
dinheiro de seu bolso. — Bota bastante gasolina nesse barco que eu preciso
chegar em Dewford pra ontem!
FIM DO CAPÍTULO 36
Você não sabe o quanto de vezes que reli esse capítulo só para não perder detalhe nenhum. Eu gostei muito desse capítulo, desde a batalha da Miriam vs. Roxanne até o fim.
ReplyDeleteTenho muitas coisas a comentar sobre o capítulo. Gosto muito de ver as batalhas pela ótica dos Pokémon, o jeito que eles interagem em batalha e como você faz parecer natural. Daí cortamos para aquele Vince que é um amargurado e a Miriam querendo peitar ele e esperando fucking quarenta minutos só para varrer o chão com ele e mostrar a ele um pouco de humildade. A Miriam foi e botou ele no lugar dele com a Niani que era um Pokémon bastante underleveled e pouco treinado, isso sim foi do caralho, ela realmente mereceu a evolução aqui.
Outra coisa que foi interessante perceber é que eu nunca reparei que os treinadores não sabiam os nomes dos próprios 'mons até a Miri ter se vinculado à Niani o que eu achei incrível. Mas isso me abriu ainda mais questionamentos, ainda mais com o Jiro que é um personagem do qual não me recordo muito e que parece entender os Pokémon e conhecer o verdadeiro nome deles, mas vou deixar esses questionamentos em aberto por que sei que você conseguirá respondê-los ao longo da história.
Enfim, acho que quero muito ver o que acontecerá a seguir, seja com o Ruby e a Sapphire (que, por sinal está com o atestado de óbito para ser assinado) ou com a Miri a caminho de Dewford para varrer o Brawly no soco.
Esse capítulo foi uma bagunça organizada, se é que dá pra chamar assim, porque foi tanta coisa acontecendo que qualquer passo em falso e ficaria tudo uma zona kkkkkk Como a Miriam acaba tendo pouco destaque agora que ela está trilhando seu caminho fora do grupo principal, isso acaba acontecendo mesmo.
DeleteE nossa querida já começou varrendo o ginásio da Roxanne sem a necessidade do level cap pra treinadores iniciantes. É uma participante da Batalha da Fronteira, afinal. Ela já está um degrau acima. A Niani na verdade até vinha sendo mais treinada. A Miriam tinha pressa em colocá-la em condições de competir na Fronteira também, mas não muda o fato de que ela está mesmo muito abaixo do nível de exigência de uma competição como essa. Mas além dos treinamentos, outros trabalhos relacionados à dieta e melhora de outras habilidades foram necessárias para colocá-la num estágio que a permitisse se desenvolver mais rápido. Então de qualquer forma a Miriam tem todo o mérito. E isso serviu para alinhar a relação das duas, a evolução foi uma consequência disso, assim como a Miriam descobrir o nome dela. Imagina quando ela tiver essa conexão com o resto do time, onde essa criatura não vai parar... Vai é sentar lá nas nuvens e tomar um café com o Rayquaza!
Acho que nunca citei isso na história, então fica como um canon não oficial: até tem treinadores que dão nomes pros Pokémons, mas em teoria esses nomes acabam sendo diferentes dos reais por não existir essa conexão entre eles. Ou, em casos raros, o nome é o mesmo, mas é por pura coincidência kkkkkk Mas, tal qual nós que jogamos Pokémon desde sempre, a maioria não coloca nick neles, então isso é refletido aqui também kkkkkk O Jiro seria um bom personagem pra explicar isso. Quem sabe na próxima, já que ele deve voltar muito em breve? Aí vocês já poderão ter algumas pistas sobre ele. :v
Atestado de óbito? Aqui tem orçamento pra isso não kkkkkkkk Ela vai ser é enterrada como indigente mesmo, talvez nem dê pra reconhecer a cara desfigurada depois que o Wallace trucidar ela. Mas prometo me esforçar pra ter pelo menos uma notinha de 3 linhas no obituário.
Até a próxima! õ/